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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O Mito Falocêntrico

Verdade absoluta n.º 1: Todo homem é movido à massagem no ego.

A senhora pode fazer o teste. Quando quiser que seu esposo lave a louça, não brigue com ele chamando-o de vagabundo imprestável. Diga a ele: “Ai, amor! Queria saber lavar a louça como você! Você faz tudo rapidinho e as panelas brilham como novas! Por mais que eu tente eu não consigo fazer melhor que você!”
Parabéns! A senhora acaba de ganhar um “marido-lava-louças” para a vida inteira!

Verdade absoluta n.º 2: 99,9% do ego masculino está concentrado no pênis.

E isso não é culpa exclusiva nossa. Desde nossa criação somos acostumados com uma platéia feminina formada por mãe, tias, avós, primas que se revezam na bolinação de nosso pequeno membro. O guri fica só curtinho o lance com a certeza de que ele tem entre as pernas algo tremendamente valioso e digno de adoração e devoção. Não se trata apenas de um órgão genital, mas de um monolito, um toten, um obelisco... Símbolo eterno de virilidade, orgulho, poder e prosperidade.
Enquanto as meninas cruzam as pernas, os meninos tendem a andar escancarados exibindo o volume de suas partes íntimas, quando não expondo descaradamente. O homem chega ao ridículo de contar feitos extraordinários de seu poderoso falo. Certa vez, um amigo desabafou comigo sua decisão de largar o tabagismo: “Preciso parar de fumar! O cigarro está acabando com meu desempenho na cama! Antes eu dava 5 ou 6 sem suar a camisa. Hoje, na terceira já estou cansado.”
Diante desta declaração no mínimo exagerada, precisei rebater com ironia: “Meu caso é mais complicado que o seu. Também, preciso parar de fumar. O cigarro está acabando com meu desempenho sexual!”
_ Mas você não fuma!
_ Eu disse que meu caso é mais complicado...
Lembro de uma ocasião em que uma antiga namorada quis me fazer um elogio. Ela disse que meu pênis era “ideal”. Meio transtornado, quis entender sua observação e ela disse: “Ele não é exagerado, tem o tamanho certo, é agradável aos olhos. Ideal.”
Esse elogio me pareceu mais uma provocação e não dava pra ficar calado. Durante o jantar, ela me perguntou o que eu achei do capeletti aos quatro queijos que ela preparou (sua especialidade).
_ Achei ideal.
_ Ideal?!
_ É... Não está exagerado.
_ Como é que é?!
_ O prato tem o tamanho certo.
_ Escuta aqui...
_ É agradável aos olhos. Ideal.
_ Ai, seu cavalo!!!
O namoro não durou muito depois disso, mas até hoje lembro com orgulho e satisfação de nossa última briga:
“Ai, seu cavalo!!!”

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O Código de Vênus

Poucas coisas neste mundo me assombram tanto quanto o “nada feminino”. Não é de hoje que sabemos que quando uma mulher afirma que nada está acontecendo há algum evento de proporções apocalípticas por vir. Quando uma mulher gritar “Nada!Nada!”, a melhor coisa é nadar mesmo, pois aí vem um tsunami.
Na tentativa de desvendar os mistérios que há por trás deste código de Vênus, criptógrafos renomados e cientistas de várias áreas se uniram e desenvolveram métodos revolucionários de tradução. Para que os mesmos não fossem acusados de machistas, as experiências foram feitas com ratinhos de laboratório. No início, não foi percebido qualquer resultado conclusivo, mas, depois de injetarem hormônio feminino nos pequenos roedores albinos, os testes foram reveladores:
Nada = Tudo!
Nada + cara séria = Adivinhe!
Nada + cara de raiva = Você sabe muito bem! Deixa de ser cínico!”
Nada + suor na testa = Eu estourei o limite do cartão de crédito de novo...
Nada + lágrimas = Eu assisti Titanic pela enésima vez...
Nada + sorriso = Estou grávida!
Nada, querido = Nossa filha está grávida.
Nada, amor = Estou te traindo.
Nada, amorzinho = Estou te traindo com seu melhor amigo.
Nada, amorzão = Estou te traindo com seu pai.
Nadinha = Minha mãe vai passar o final de semana aqui em casa.
Nada de mais... = Aquele arranhão que dei em seu carro deu perda total...
Custou quase nada = Foi parcelado a perder de vista.
Nada, por quê? = Eu planejei tudo tão bem, como você descobriu?
Nada + biquinho = Briguei com meu namorado.
Nada + cuspe no chão = Briguei com minha namorada.
Nadaaaaaaaaaaaaa!!! = Não lembro onde guardei meu Prozac!!!
Nada + surto psicótico = Cólica mestrual.
Nada não = Indecifrável. Esse pleonasmo enfatizando a inexistência de qualquer coisa é um enigma inquebrável. Nestes casos, aconselha-se observar todos os detalhes ao redor e reagrupar as informações como um complexo quebra-cabeça. É possível que a verdade jamais seja revelada.
Aproveito a oportunidade para informar que nenhum animal foi maltratado nesta experiência. Alguns ratinhos até subiram de carreira e hoje desfilam com bolsas de griffe. As esposas dos cientistas também garantem que eles NADA sofreram.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O Grito do Guerreiro

A imaginação de uma criança é mesmo algo contagiante. Lembro de uma vez em que fui à Nova Iguaçu pagar uma conta e um menino estava parado no calçadão segurando uma espada de brinquedo. Ele parecia concentrado e indiferente às pessoas que transitavam a seu redor. De repente, ele desembainhou a espada e bradou como um poderoso guerreiro. Os braços abertos, espada em riste e o urro selvagem com direito a vento esvoaçando o cabelo e a blusa.
Dei um pulo para trás. Jurava que raios surgiriam em volta daquela figura mística e os vidros das janelas dos prédios mais próximos começariam a estilhaçar. Por sorte a mãe do menino surgiu e, puxando-o pelo braço, pôs fim àquela manifestação devastadora de poder. Estávamos salvos.
Mais tarde, na intimidade do meu quarto, minha namorada e eu acabáramos de fazer amor e ela resolveu discutir nossa relação.
_ Acho que estamos vivendo uma rotina.
_ Como assim?
_ É sempre a mesma coisa! Precisamos fazer coisas diferentes!
_ Acha que nosso lance não está sendo legal?
_ Legal é, mas... Sei lá! Acho que falta um pouco mais de imaginação!
Com esta última frase, não tive dúvidas! Saltei da cama e vasculhei minha gaveta com material de desenho e encontrei o que eu procurava: uma régua de 60cm!
_ Amor, o que pretende fazer com isso?
Não respondi. Fiz uma cara de mal e minha companheira deu um sorrisinho maroto. Ela ficou toda entusiasmada quando bati com a régua na palma de minha mão.
_ Ui! Seu safadinho...
Fiquei de pé sobre o colchão e ergui a régua, quase atingindo o ventilador de teto, como se fosse a própria excalibur. Dei o urro mais potente que meus pulmões conseguiram reproduzir e ainda simulei um terremoto sacudindo a cômoda e as cortinas.
Depois disso ela nunca mais atendeu meus telefonemas e eu até imagino o porquê.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O Rei e o Inseto

Há poucos dias, encontrei uma jovem amiga que chorava por conta de um problema aparentemente insolúvel. Ela estava transtornada e cheia de remorsos por acreditar ter cometido um grave erro. Sentei-me a seu lado e lhe contei a seguinte parábola:
Uma menina dormia sossegada em seu quarto quando, sentindo uma garra áspera e pontiaguda pousada em seu ombro, saltou da cama apavorada. Ela tateou a parede até encontrar o interruptor, mas, justamente naquela noite, faltou luz. A menina entrou em desespero e pôs-se a chorar diante da ameaçadora criatura que invadiu seu quarto. Ela não podia ver o monstro, mas ouvia aquele ruído demoníaco das asas draconianas que arranhavam os móveis na penumbra.
Foi quando uma luz trêmula e amarela adentrou o cômodo. A mãe da menina veio acudi-la trazendo uma vela. Como nada foi encontrado, a mãe tomou a filha carinhosamente pela mão e a levou dali para dormirem juntas.
Já de manhã, a menina voltou a seu quarto e encontrou o tenebroso intruso. Uma mariposa que havia entrado pela janela aberta. Armada com uma vassoura, a menina a expulsou sumariamente e riu de si mesma por seu poder imaginativo.
Com o final de minha narração, minha amiga perguntou: “Essa menina sou eu?”
Concordei dizendo: “Sim. A menina é você, o quarto sua consciência e a mariposa os problemas que insistem em nos tirar o sono e que, muitas vezes, são bem menores quando enxergamos com clareza. Sua mãe é alguém que te ama, que te deseja o bem. Quando alguém assim surgir em meio à escuridão, não se esconda. Permita que a luz, mesmo que de uma pequena chama, a conforte e lhe dê abrigo. Garanto que no dia seguinte, tudo parecerá mais claro.”
Minha amiga enxugou o rosto e lançou-me um sorriso de agradecimento. Antes de se despedir, quis um último conselho: “E se eu me distrair e esquecer novamente a janela aberta?”
Respondi de improviso:
“E quem disse que a janela deve ficar fechada? Uma janela aberta pode atrair uma mariposa, mas é através dela que deixamos o sol entrar. O sol é um astro-rei e a mariposa um reles inseto.”

domingo, 30 de agosto de 2009

O Dossiê Iscariotes

Esses dias, vi na televisão uma reportagem falando sobre a descoberta de textos apócrifos que, supostamente, teriam sido escritos por Judas Iscariotes, o famoso delator bíblico, e que seu conteúdo poderia até inocentá-lo de sua fama de traidor. Não seria a primeira vez que a igreja comete falhas por conta de equivocadas interpretações da sagrada escritura. Maria Magdalena foi tachada de prostituta e, apesar do próprio vaticano ter reconhecido o erro, até hoje há quem acredite na suposta profissão autônoma e alternativa da ilustre personagem de Magdala.
Se analisarmos melhor a complexidade dos fatos, vamos nos deparar com uma conspiração celestial, um audacioso estratagema onde todos faziam parte de um engenhoso plano a fim de ascender as promessas do messias que, inclusive, já havia declarado que um de seus seguidores o entregaria. Judas era uma peça importante, pois alguém teria que entregar Jesus e o desafortunado apóstolo foi o sorteado.
Mas por que é importante mantermos essa tradição de espancar um boneco no sábado de aleluia representando um alcagüete? É que toda boa história tem que ter um herói e um vilão. Judas é o antagonista da trama. É o personagem de uma parábola que nos faz crer que todo aquele que errar será punido (o que na prática sabemos ser bem diferente).
Certa ocasião, fui de carro a uma sorveteria. Um menino veio em minha direção desembestado em uma pequena bicicleta sem freios. Se eu fosse mais desatento, teria atropelado aquela criança traquina. Consegui desviar, mas o menino estatelou-se no chão tentando parar. Mesmo sem ter culpa de nada, desci do carro e fui constatar que, fora o susto e alguns arranhões superficiais, o menino estava bem. Estacionei o carro e entrei na sorveteria. Logo em seguida, entrou um rapaz dizendo ao sorveteiro que o tal menino foi atropelado, estava coberto de sangue, todo quebrado e o motorista fugiu sem prestar socorro. Fiquei surpreso com tamanha criatividade... Se em menos de cinco minutos me tornei alvo de um boato infundado, imagina o que acontece em mais de dois mil anos de história mal contada?
Ainda que o pobre dedo-duro tivesse traído seu mestre por pura ganância, deveríamos praticar as lições de Jesus: perdoar, amar ao próximo, não julgar, não condenar... Se não agimos de acordo com esses princípios, então os traidores somos nós. Como não ganhei um único centavo nesta transação obscura, dou a Iscariotes o benefício da dúvida e prometo não maltratar nenhum de seus bonecos no próximo sábado de aleluia! Quer dizer, se ninguém me oferecer 30 dinheiros.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Contemplado

Certa vez, estava eu em casa curtindo meu momento de preguiça e ociosidade quando acordei com o toque do meu celular indicando o recebimento de um torpedo. No corpo da mensagem, lia-se que eu era o vencedor de um concurso e que eu deveria ligar imediatamente para o número de telefone ali indicado. Ainda sonolento, resolvi ligar, mais por curiosidade que por credo. Do outro lado da linha, uma voz masculina e animada pediu que eu me identificasse e, em seguia, disparou com todo entusiasmo:
_Parabéns! O senhor é o mais novo contemplado de nossa promoção e acaba de ganhar um automóvel total flex zero quilômetro!!
Por um momento quis acreditar em tal prenda advinda de minha sorte, mas sabia que aquilo era tremendamente suspeito, mesmo porque não me lembrava de ter me inscrito em qualquer tipo de concurso, sorteio ou rifa. Fiz várias perguntas para comprovar a veracidade de tal promoção e o animado atendente parecia preparado para tirar todas as minhas dúvidas.
Por fim, ele me garantiu que o prêmio já era meu, mas para confirmar meu interesse em receber o automóvel eu deveria comprar duzentos reais em cartões telefônicos e informar o código de cada cartão. Tratava-se, sem dúvidas, de mais um desses golpistas e, por pouco, não caio nessa.
Desliguei o aparelho e me achei na obrigação de avisar às autoridades sobre este picareta. Não seria difícil localizá-lo, afinal, eu tinha o número do telefone dele! Ele não me enganou, mas poderia continuar enganando muitas pessoas se eu não tomasse alguma atitude.
Liguei para operadoras de telefonia fixa e móvel, mas ninguém soube me dizer exatamente como eu poderia proceder uma denúncia. Me indicaram vários telefones diferentes até que liguei para polícia que me orientou a fazer um registro de ocorrência juntamente à delegacia mais próxima de minha casa. A fim de cumprir com meu dever de cidadão, fui à 39ª DP (Pavuna) onde fui recebido por um policial com cara de poucos amigos que me desencorajou em minha busca por justiça alegando que esses golpes são rotina e não há nada que se possa fazer.
_ Se ele ao menos tivesse conseguido lhe dar o golpe nós poderíamos abrir uma ocorrência – acrescentou o policial afirmando que algo só é feito quando o golpe é bem sucedido e, ainda assim, não podemos considerar uma solução.
Voltei para casa com aquele sentimento de impotência, sabendo que o tal golpista continuará agindo impunemente.
Liguei a televisão e, coincidentemente, estava passando uma reportagem sobre uma senhora muito idosa que foi vítima desse mesmo golpe. A coitadinha sacrificou o dinheiro de seus remédios para garantir seu falso prêmio. Em entrevista, o excelentíssimo secretário de segurança orientou os telespectadores:
_ Não se deixem enganar por esses exploradores! Qualquer sinal de proposta duvidosa, liguem imediatamente para a polícia, pois temos um serviço de inteligência trabalhando para punir esses golpistas! Qualquer dúvida, o telefone de meu gabinete estará sempre à disposição.
Tomei nota do tal telefone. Ocupado. Insisti por um tempo até que chamou diversas vezes. Quando eu já estava desistindo, alguém atendeu.
_É da secretaria de segurança?
_Sim, pois não?
_Estou falando com o secretário de segurança?
_O próprio. Em quê posso ajudar, cidadão?
Não me contive... Inflei o peito e bradei com toda euforia:
__Parabéns! O senhor é o mais novo contemplado de nossa promoção e acaba de ganhar um automóvel total flex zero quilômetro!!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A Árvore do Demônio

De longe, aquela velha árvore é apenas um rabisco tétrico em meio a uma paisagem agreste, árida e deserta. Um botânico experiente encontraria dificuldade para catalogar um espécime tão grotesco e desfigurado. Centenas de galhos secos espalhados em múltiplas direções como os dedos de uma velha bruxa. Suas raízes são como gigantescas serpentes petrificadas e seu tronco robusto parecia possuir a idade do mundo.
Sua aparência expressionista lhe rendeu o título de “a árvore do demônio” e a ela foram atribuídas várias histórias sombrias. Os mais velhos contam que, à sombra desta árvore, o próprio demônio – ou algum espírito fanfarrão – passava os dias descansando e esperando que algum viajante cruzasse seu caminho. A abordagem era sempre a mesma:
“Permita que eu me apresente. Eu sou o anjo caído, o pai da mentira. Possuo muitos nomes, mas permitirei que escolhas como devo ser chamado. Desejo chegar até o fim desta estrada, mas a viagem é muito longa. Importa-se se eu acompanhá-lo?”
A reação era quase sempre a mesma. Os passantes gritavam “Fora satanás! Vá embora tinhoso! Suma da minha frente coisa ruim!” enquanto corriam desesperadamente tropeçando nas próprias pernas. O demônio se divertia com todo aquele alvoroço e sorria com a certeza de que ele encontraria todas essas pessoas no final dessa longa estrada.
Entretanto, houve um transeunte que, ao ser abordado, não esboçou qualquer reação de pânico. Ele olhou para o demônio e disse: “Ora, não vejo problema nenhum. Pode me acompanhar, se quiser.”
O demônio estranhou a frieza do viajante: “Talvez eu não tenha sido claro... Não compreende quem sou?”
O viajante balançou a cabeça positivamente e acrescentou: “A viagem é realmente longa, alguém para conversar encurtará a distância.”
E o demônio quis saber: “E como você pretende me chamar durante esta jornada?”
Em resposta, o viajante disse: “Se devo te chamar por algum nome, que seja o nome que você escolher. Esta árvore não possui nome, mas cumpri com seu dever de projetar a sombra que você descansa. Nomes não dizem nada, o que importa é o que fazemos para ajudar quem está do nosso lado. Diga-me como deseja que eu o chame.”
Desconcertado, o demônio refletiu por um instante de cabeça baixa: “Estou acostumado aos nomes que me são disparados aos gritos. Acho que seguimos caminhos opostos.”
O demônio permaneceu em silêncio, admirando a figura do rapaz diminuir ao longe até sumir no horizonte. Lamentou-se por não ter perguntado o nome daquele viajante, pois sabia que nunca mais voltaria a vê-lo.
De longe, aquela velha árvore passou a dar sinais de vida àquela velha paisagem agreste, árida e deserta.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Morte Virtual

Meu Orkut sumiu! Morreu! “Deletou-se”! Só consigo atribuir a autoria deste crime a algum desses malditos vírus que assolam esses populares cubículos onde pagamos pelo tempo que queremos nos conectar (estou falando de uma lan house, não de um meretrício).
Claro que esta se trata de uma tragédia anunciada. Outros amigos tiveram o mesmo fim, mas sempre achamos que essas coisas só acontecem com os outros. E aqueles e-mails que eu vivia recebendo para repassar a todos meus contatos? Eu nunca os repassava e sempre havia uma promessa de azar aos que resolvessem ignorar a corrente. Teria sido essa a razão para o desaparecimento do meu perfil no Orkut? Eu deveria ter dado mais atenção a essas mensagens...
Alguém tem dúvidas da importância de uma conta num site de relacionamento de renome? É através deste site que mantenho contato com todos os meus amigos, atualizo minhas fotos, fico sabendo de tudo que está acontecendo com meus colegas, posso fuxicar a vida alheia, dar minha opinião em inúmeras comunidades... Perder o perfil nesta grande rede representa a própria morte sócio-virtual. É o mesmo que perder sua essência. Como alguém pode viver sem “Buddy Pokes” e recados animados?
Cheguei no trabalho, sentindo-me um fantasma a vagar. Percebendo minha profunda angústia, meu amigo da mesa ao lado perguntou-me o que havia acontecido e narrei minha triste história com toda paixão de um homem que se despede de sua própria alma. Por fim, ele deu de ombros e disse: Ora, por que não se cadastra novamente e abre uma nova conta?
...
Não sei o que me deixou mais chocado. Se foi a sua indiferença com meu problema ou a petulância em afirmar que meu drama pode ser resolvido de uma forma tão simples e prática...
Por falta de opção, acho que vou seguir este conselho... Vou reconstruir minha entidade virtual, postar novas fotos, adicionar todas as pessoas que tenho afinidade, distribuir recados divertidos...
Mas se este meu amigo do trabalho pensa que vou colocar uma estrelinha de fã e deixar um depoimento em seu perfil, ele está muito enganado. Ah, mas não vou mesmo!

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Ditadura Comportamental

Depois de horas de tortura auditiva, ouvindo canções de gosto duvidoso, mas excessivamente veiculadas pela mídia, o inspetor entrou na sala de interrogatório e sentou-se na cadeira diante de mim apoiando os cotovelos à mesa entre nós.
“Chegamos até você graças a uma denúncia anônima”, dizia ele. Pelo que entendi alguém avisou às autoridades sobre o risco que eu representava à sociedade por não me adequar aos padrões de imagem e costumes ora impostas pela atual ditadura comportamental.
Eu não tinha muito que dizer em minha defesa. Limitei-me a reconhecer meus erros e garanti mudar minha atitude subversiva. Fiz um discurso de improviso declarando meu arrependimento e me comprometendo a tomar as providências necessárias.
“Sim, há tempos que sei da “Lei de Padronização Moral e Estética”, mas confesso que não dei o devido crédito aos benefícios que essa lei representava. Agora entendo que uma sociedade só é perfeita quando todos seguem em uma única direção. Prometo gastar cada centavo do meu suado dinheiro para possuir o corpo perfeito, as roupas perfeitas, o status perfeito... Prometo freqüentar todas as baladas que estão “bombando na night”. Vou fazer lipo e colocar silicone nas panturrilhas. Vou usar roupa de grife até para ir à padaria. Vou me comportar como um desbravador sexual e “pegarei geral” antes de voltar para casa sozinho. Vou ouvir músicas de refrão fácil e conteúdo ofensivo no volume máximo, seja em casa, no carro ou em meu celular. Vou me concentrar exclusivamente às seções de esporte nos jornais. Estarei a par de tudo o que acontecer nas novelas e programas de futilidades, além de me inscrever e acompanhar todo tipo de Reality show. Vou falar, ler e escrever errado. Criarei contas em todos os sites de relacionamento. Seguirei a moda religiosamente e descartarei qualquer assunto que requeira uma opinião de cunho intelectual, além de denunciar qualquer um que se atreva a agir de maneira independente.”
Aparentemente satisfeito, o inspetor me liberou, mas não sem antes me dar uma advertência e uma punição. Disse que ficaria de olho em mim e me aplicou uma multa pesada. Quando lhe questionei sobre o valor da multa, ele respondeu:
“Você pensou muito antes de se declarar culpado... Não percebe que pensar é completamente démodé?”

segunda-feira, 4 de maio de 2009

E Quem Entende?

O que é o amor senão a matéria prima da alma para todos os fundamentos da vida? É o pilar que sustenta a comunhão de Deus para com os homens. É a farpa no dedo de seu irmão que te causa maior dor que a estaca em seu peito.
Entendeu?... Ora... e quem entende?
Eis o fascínio que o amor causa aos homens desde a criação... o fato de possui-lo, mas nunca dominá-lo. Devido a tal desafio, o homem aprendeu a adaptá-lo... a reciclá-lo... Aprendeu a interpretar o amor conforme sua vontade. E quem somos nós para constituir tal poder?Nada. Pois não conhecemos o verdadeiro amor. Aprendemos a ignorá-lo. Aprendemos a sentir tesão, atração, interesse e apelidamos de amor, pois amor é um nome muito bonito e justifica muito da ganância humana.
Tudo que é feito por amor não possui a malícia do pecado, pois o pecado trabalha para nossa auto satisfação e o amor tem a humildade de abrir mão de qualquer privilégio egoísta. O amor constitui a centelha do ser humano assim como outros sentimentos que devem permanecer em pleno equilíbrio para que assim estejamos preparados para o plano de Deus em nosso espírito.
Permita que o amor deixe de ser o câncer da ética. Não acreditas? Então consulte seu coração. Olhe bem ao seu redor... chegue a conclusão de que não está sozinho. Você não está sozinho. E sabe por quê? Porque alguém te ama.
Entendeu?... Ora... e quem entenderá?

sábado, 2 de maio de 2009

O Referendo do Fogo

Há milhares de anos atrás, um ancestral do homem moderno teve a infeliz idéia de esfregar dois gravetos e, assim, descobriu o fogo. Foi aí que a loucura começou. No início, o fogo se fez bem útil afastando os animais, cozinhando os alimentos, nos aquecendo no frio... Mas o fogo também se revela um elemento extremamente perigoso e destrutivo. Alguém deixou um cigarro acesso na lixeira. Um curto-circuito numa instalação elétrica mal feita. Moradores de uma favela, revoltados com a ação imprudente da polícia, ateiam fogo em ônibus. Professora da rede pública, revoltada com o baixo salário, banha-se de álcool e põe fogo em si mesma em sinal de protesto. Incêndios que destruíram a vida de milhares de pessoas!A culpa de tudo isso é do fogo! Consciente disso, o Governo promoveu um referendo para a população decidir se é contra ou a favor da COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS INFLAMÁVEIS E DE COMBUSTÃO. Grupos se mobilizaram para defender suas teorias. Grandes formadores de opinião, como as redes de televisão, entraram no jogo levando em conta as vantagens que iriam alcançar. A classe artística não queria sua imagem associada às mortes provocadas pelo fogo e apoiaram a proibição do mesmo.
Por fim, o bom senso prevaleceu e o fogo foi finalmente proibido!As coisas não foram fáceis no início. Todos tiveram que se adaptar a esta nova realidade. A comida era aquecida com energia solar. Os carros passaram a funcionar com Coca-Cola. Várias indústrias fecharam. Isqueiros entravam clandestinamente pelas fronteiras. Houve um significativo aumento na criminalidade. Saudosistas eram punidos por apologia. Escoteiros eram presos por formação de quadrilha (pegos em flagrante com uma caixa de fósforos dentro de uma floresta).A confusão continua, Mas, felizmente, nunca mais ouviu-se falar de pessoas que morreram pela ação do fogo. Viva a democracia!!
Dias atrás, um motorista drogado atropelou e matou uma senhora idosa e seu poodle. A população indignada começou a furar os pneus dos carros que estavam estacionados perto do local do acidente. A culpa era da maldita roda que atropela milhões de pessoas por ano em nosso país! Um novo referendo estava por vir!Fogo... Roda... Putz! Só podia mesmo ser coisa de gente primitiva!

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O Duelo

Parecia um dia de sol como tantos outros, mas a velocidade das nuvens denunciava que algo estava para acontecer. As árvores mais experientes entenderam o recado e se apegavam com mais vigor à terra.Sem perceber o que se passava ao redor, uma velha sacola plástica, daquelas de supermercado, estava quieta ali no chão, ao lado de uma lixeira e de um banco de praça. A pobre sacola estava deprimida, murchinha... Lamentava-se pelo seu destino incerto. Ela que trazia com orgulho a estampa da logomarca de onde trabalhava, colocando-se à disposição dos clientes. Fazia parte de uma grande equipe e estava certa da importância de seu papel na hora de carregar o peso e responsabilidade de sua função. Já ouviu histórias horríveis de sacolas que até se rasgaram no cumprimento do dever, mas isso não a assustava. Estava disposta a correr qualquer risco para exercer seu ofício. Jamais decepcionaria seus colegas e clientes. Por fim, parecia não haver mais utilidade para ela. Soube de algumas companheiras que passaram a servir como “sacos de lixo”, mas, pelo visto, nem para isso ela servia mais. Algumas conseguiram uma chance em programas de reciclagem, mas para ela só restou o esquecimento e a sarjeta. Sentia-se triste, inútil e vazia.
Súbito, fora atingida por um forte golpe de ar que a arremessou longe. O vento soprava zombando da fragilidade das folhas secas e jornais de ontem. A sacola tentou fugir daquela surra e correu procurando um canto seguro. O vento, percebendo sua aflição, resolveu brincar com ela golpeando-a incansavelmente para todas as direções. A sacola estava tonta e desesperada enquanto o vento apenas se divertia.Foi então que a sacola viu-se num beco sem saída. Ela estava acuada, encurralada... Quando tudo parecia perdido, a sacola resolveu revidar! Mesmo desajeitada, ela começou a rodopiar no ar, defendendo-se e atacando num balet de movimentos imprecisos e aparentemente sem qualquer efeito no temível vento. Ela passou a usar os golpes do vento para se sentir maior e mais forte.De repente, o vento parou de rir e até se encantou com toda aquela coragem. Resolveu então deixá-la em paz e seguiu seu caminho sem nada dizer. A sacola percebeu o vento se retirando, mas permaneceu atenta caso ele voltasse. Ela estava exausta e caiu num canto para descansar.O medo passou. A ansiedade e a angústia também se foram. Sua luta lhe devolveu a confiança ora perdida e tudo parece diferente. Seu destino, ela sabe, ainda é incerto, mas agora esta corajosa sacola plástica não se sente mais tão vazia.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

As Vantagens que só o Ódio pode Oferecer

Há uma máxima que diz: “Guardar rancor é o mesmo que beber veneno esperando que o outro morra.” Me preocupa o que essas pessoas andam bebendo, mas cada um na sua...
Um amigo me falou uma vez: “Não sei como você consegue fazer com que as pessoas te odeiem tanto.” Não digo que concordo plenamente com este comentário. Eu chamaria isso de uma meia verdade se a mesma não pudesse ser interpretada também como uma meia mentira, assim como uma quase certeza é o mesmo que uma quase dúvida.
Não se trata de ter ou não facilidade de despertar o ódio nas pessoas. Trata-se da capacidade de se atrever a pensar, de viver o mais profundo de você mesmo (núcleo). Isso parece provocar algumas pessoas e, se valendo dos extremos (pólos) passam a nos admirar de forma messiânica ou nos amaldiçoar fervorosamente. Certas revoltas têm seus fundamentos e é preciso lidar com cautela e diplomacia, mas o que dizer do ódio injustificado? “Você age e pensa diferente de mim, logo eu o odeio”. E quando o assunto é paixão, todo extremo parece ser bem-vindo. Há uma razão para que as pessoas que um dia amamos sejam “ex”. As coisas não deram certo e pronto, mas podemos romantizar o fim da relação com brigas, acusações, fofocas... E eis que o amor se torna ódio (clichê pastelão)!
Recentemente, recebi um e-mail em resposta a um convite que enviei aos meus amigos (o autor não vem ao caso):
“Favor retirar o meu e-mail da sua lista de contatos.
Se por acaso enviar algum outro após esse meu pedido, o mesmo poderá ser usado como prova material contra você no tribunal.
Grato.”
Claro que fiquei surpreso e curioso. O que eu teria dito para ofender esta pessoa? Respondi:
“O que houve? A mensagem foi repassada através de todos os meus amigos no Orkut. Para não lhe enviar eu teria que excluí-lo da minha lista de amigos. É isso mesmo que deseja?
Não entendi o porquê do "prova material contra você no tribunal", pois posso fazer o que me pede independente de ameaça judicial.
Se possível, me responda dizendo o que o desagradou em minhas mensagens anteriores para que eu possa saber do que estarei me desculpando.”
Então ele respondeu:
“Já te exclui do meu orkut a muito tempo... não percebeu? Não quero e não vou dizer o porquê...
Por favor simplesmente me exclua da sua lista de amigos pois não quero mais receber emails seus...
Além disso não foi uma ameaça, foi um aviso, mas vc é livre pra interpretar qualquer texto da forma que lhe convir.
Não precisa responder a esse email, se o fizer eu não retornarei, e dependendo do que for enviado eu tomarei as medidas cabíveis ou não...
Adeus!”
Me despedi dizendo:
“Confesso que não havia notado que havia me excluído. Pode deixar que providenciarei o desligamento de minhas mensagens em sua caixa de entrada. Estou respondendo não por uma questão de necessidade, mas para dar uma satisfação de que seu e-mail foi lido. Fique à vontade para não me revelar o que o desagrada, isso só torna inviável qualquer pedido de desculpas. Sobre as medidas cabíveis, não se preocupe, pois este é o último e-mail que lhe envio e, como pode perceber, não é de natureza hostil. Não tive a oportunidade de conhecê-lo melhor, mas acho você uma pessoa bem instruída e deve ter seus motivos e eu respeito isso.”
Só tive contato com essa pessoa duas vezes na minha vida e já sou alvo de seu desafeto. Não deveria me sentir lisonjeado? Além disso, podemos afirmar que as pessoas que nos odeiam são justamente aquelas que ficam bem melhores longe de nós. Manter distância de pessoas assim é um benefício que favorece ambos os lados. Se isso fosse um programa de milhagem, poderíamos acumular pontos para dar a volta ao mundo.
Para entender o fundamento disso eu precisaria retroceder muitas encarnações do meu atual estado evolutivo, sendo assim, só me resta agradecer por todo veneno que essas pessoas bebem esperando que eu morra, mas não esperem que eu brinde junto.
O ódio é o combustível dos tolos. É altamente inflamável, pena que só conseguem correr em círculos...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Maldade Salvará o Mundo

A solução para o mundo é a maldade. Refiro-me a uma maldade palpável, encarnada em alguma forma mitológica facilmente identificável como um dragão que pudéssemos duelar ou nos esconder. Criaturas sombrias, entidades folclóricas, súcubos dantescos... Desta forma, saberíamos exatamente quem são os inimigos. A humanidade criaria métodos de proteção contra o mal. Equipes treinadas para repreender e aniquilar tais monstros. Uma vigilância eficaz que nos garantiria uma vida sossegada. Todos os carros e casas seriam equipados com dispositivos “antimaldade” com selo INMETRO e ISO 9000.
A verdade é que estamos sofrendo de “excesso de boa vontade”. É o “bom motivo” quem nos destrói. O mal que se manifesta como um ato de bondade. Quantas pessoas são sacrificadas para garantir nossos privilégios? Guerras em nome da paz, restrições em prol da liberdade, ciúme e punição justificados pelo zelo e o amor.
Não podemos identificar o inimigo, pois somos nós. Não se trata de uma força alienígena que nos domina, e sim, um instinto primário que se move em nosso íntimo.
Não poupamos o planeta, nossos filhos, nossos sonhos ou quem mais amamos. Não faz diferença quem seja prejudicado, desde que tenhamos alguma vantagem.
Seríamos nós os monstros? Somos apenas humanos fiéis à nossa natureza. O que faz de alguém um indivíduo melhor é a capacidade de reconhecer e dominar esse impulso destrutivo.
Quando, enfim, o mal se manifestar de maneira explícita e alegórica, seremos felizes, pois saberemos em quem pôr a culpa. Até lá, vamos continuar apontando os erros dos outros e imaginar desculpas criativas para justificar nossa maldade bem intencionada.

terça-feira, 31 de março de 2009

O Grande Iceberg

Em um dia quente, como este, quando os pensamentos são rasos, poucos se dariam conta da infinita profundidade dentro daquele copo d'água. O ouvido humanoprecisaria evoluir mil vezes até conseguir compreender aquele insólito diálogo entre dois cubos de gelo, mas um coração atento acompanharia fielmente cada palavra. O primeiro cubo de gelo, notando a aflição de seu "colega de copo", perguntou-o com certa preocupação:
_ O que tanto o inquieta, amigo? Desde quando o acompanho não me lembro de vê-lo assim tão agitado!E o outro cubo responde:
_ Ainda não percebeu?! Nosso fim está próximo! Esses são nossos últimos momentos de vida! Em breve, o calor que vem de fora será mais forte que nós dois juntos e ele dominará este copo! Vamos derreter, evaporar e sumir para sempre! Não acha que tenho motivos suficientes para estar aflito? N'um estalo, o primeiro cubo aproximou-se e disse:
_ E o que espera conseguir com esta ansiedade inútil? Não seria melhor concentrar sua força e cumprir seu dever com prazer e alegria? Nascemos para este propósito! Um dia sairíamos do conforto do nosso lar e estaríamos aqui para lutar contra o calor lá de fora!E o outro retrucou:
_ Mas o calor é nossa morte! Já começo a me sentir menor e mais fraco! Como ainda consegue estar calmo?
_ Este não é o fim, meu amigo! É apenas o começo! Não sinto medo, pois sei que tudo isto aqui é passageiro! Mas não estaremos mortos quando tudo isso passar!Eu e você somos partes de algo muito maior e é para lá que iremos em breve!
_ Do que está falando?
_Você já ouviu falar no "Grande Iceberg"?
_ Grande o quê?!
_ o Grande Iceberg é infinitamente maior que qualquer cubo de gelo! Seu poder é tão grande que não há calor no mundo que possa quebrá-lo! É Dele que viemos e é para Ele que vamos quando completarmos nossa missão!
_ Tudo isso é muito bonito, mas não acredito nessas histórias fantásticas! Como pode ter tanta certeza?
_ Eu O sinto! Sinto dentro de mim uma Força Maior que me conforta, me protege e me aguarda! Não posso evitar a alegria por estar cada vez mais perto disso tudo e por isso cumpro meu dever com satisfação e amor.
_ Você deve ser louco...
_ Isso se chama fé, meu amigo. Sem fé, somos apenas água dura.

terça-feira, 24 de março de 2009

Nosso Grande Líder

Em uma cidade não muito distante, o Grande Líder, eleito pelo povo, tomou posse e começou a pôr em prática seu plano de governo, sempre enfatizando as promessas de campanha que lhe garantiram a vitória nas urnas. Havia mil favores pendentes, parcerias importantes que ele não poderia decepcionar. Favoreceu seus aliados e passou a ser muito bem visto pela mídia.
Mas a consolidação de sua imagem pomposa tinha seu preço. As regalias ofertadas a seus cúmplices partidários representavam um gasto significativo ao cofre público. Com seu brilhante engenho, não foi difícil para este líder decidir quem pagaria a conta: o povo.
As obras que mudariam aquela cidade nem sequer tiveram início. Escolas e hospitais em completo abandono. Ruas esburacadas e insegurança por todos os lados.
O povo exigia uma satisfação de seu atual governante que facilmente convenceu a todos que a culpa era do funcionalismo público. O raciocínio era simples: Os funcionários do quadro administrativo representavam um gasto ofensivo ao dinheiro do povo. O que poderia ser investido em obras e melhorias para a cidade era usado para pagar benefícios e altos salários a estes funcionários.
As providências foram tomadas sem demora. Benefícios foram cortados, salários reduzidos, conquistas ignoradas, sem falar nas demissões aleatórias. Claro que o Grande Líder garantiu os privilégios de seus protegidos. Apenas o quadro de nível médio foi sumariamente punido em prol de um bem maior.
Com o tempo, o bem maior não veio. O Grande Líder buscava novas justificativas para novos cortes. A atmosfera entre esses funcionários era de hostilidade, tensão e medo. Justamente quando eles deveriam se unir, os funcionários passaram a se repudiar mutuamente. A falta de dinheiro altera o humor de qualquer um.
A cidade continuava um caos e o povo já não podia contar com a prestatividade do funcionalismo. Transporte, refeição, licenças, folgas... Tudo que poderia ser tirado desses funcionários foi subtraído e, mesmo assim, o grande líder estava diante de uma crise que, bem sabe, ele mesmo provocou.
O Grande Líder concentrou seus esforços em criar fortes alianças a fim de promover sua carreira, mas esquece que não há futuro quando o alicerce que o apóia afunda como areia movediça. Ao tratar seus funcionários como máquinas de barata manutenção, comprometeu as estruturas de seu governo. O Grande Líder nunca mais voltou ao poder, pois as máquinas não se queixam, mas também não votam.
Não existe Nação sem humanidade.

terça-feira, 17 de março de 2009

Uma Palavra Nova

Foi necessário criar uma nova palavra para substituir o já tão obsoleto “amor”. Amor caiu em desuso, não por conta de sua estrutura ortográfica, haja vista tamanha simplicidade de escrita. Não há acentos gráficos nem sequer um “h” para nos confundir. O amor tornou-se erudito, rebuscado... Um vernáculo de quatro letras perdido em nosso dicionário arcaico.
A razão de seu sumiço se deve à dificuldade que encontramos de encaixar essa palavra em nosso dia-dia. Amor não basta para expressar tudo o que sentimos nem como queremos descrever algo que nos agrada. Amor sugere um certo comprometimento e ninguém anda disposto a se comprometer com nada e ninguém. Se dissermos: “Eu amo isso, eu amo aquilo...” pode ser compreendido como uma obsessão, um apego ou uma exagerada demonstração de carinho.
Amor causa espanto, medo, ansiedade, dúvidas. Melhor dizer que gosta, admira, quer bem... Amor tornou-se perigoso demais para ser usado indiscriminadamente. Alguém pode até se sentir ofendido se abordado com um “eu te amo” sem aviso.
Uma vez distante de uma compreensão imediata sem ambigüidades, não há mais o que fazer senão riscar o amor de nosso vocabulário.
Na busca de novas palavras, fugindo de neologismos que mais confundem que esclarecem, encontrei a resposta em um supermercado, mais precisamente em uma garrafa de suco de uva. Em seu rótulo dizia: “Faz bem ao coração”. Comecei a ler sua composição atrás da propriedade que garantisse esse bem-estar cardíaco. Agora, não tenho dúvidas. Ao menor sinal de afeto, gratidão, desejo ou qualquer outro sentimento que deixe meu coração contente, direi sem medo: “Obrigado por ser tão ‘anti-oxidante’ em minha vida”.

terça-feira, 10 de março de 2009

Um Bom Começo

Alguém teve a brilhante idéia de me perguntar como estou. Se recorrermos ao mais profundo de nossa sinceridade, responderíamos: “Estou pensando em uma resposta que o surpreenda e não me faça parecer tão monótono”.
Apesar de tantas novidades ultrapassadas e projetos que sempre ficam para depois, a vida segue em constante movimento e todos fazemos parte disso, inclusive os mortos (de maneira mais lenta e silenciosa, porém funcional). Uma vez consciente de toda transformação ao nosso redor, podemos fazer parte do jogo como peças ativas ou apenas observar o que se desenrola no tabuleiro, fingindo que os resultados não nos atingem.
A vida tem as cores, o cheiro, a textura que enfatizamos. Um mosaico de detalhes caóticos que resultam em uma obra de admirável peculiaridade. O que buscamos está ao alcance de nossos olhos, mas ainda não aprendemos a olhar na direção correta.
Se tudo que conseguimos contabilizar em nossas vidas são os prejuízos, as oportunidades e alegrias sempre passarão despercebidas. Nossa ansiedade nos antecipa a dor de eventos imaginários e nos cega diante de uma realidade progressiva.
A tudo que está por vir, sejamos atentos, mas nunca isentos. E para quem deseja saber como estou, um “estou bem, obrigado” certamente não diz tudo, mas podemos considerar um bom começo.
Quando a vida nos oferece um presente, melhor não se lamentar pelo lindo embrulho que precisou ser destruído para revelar a grande surpresa.