Leitores

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Medalha

Esta informação pode chocar muitas pessoas, mas lá vai: sexo não é aquilo que você aprendeu nos filmes pornográficos. A indústria de entretenimento adulto contrata pessoas dispostas a encenar uma alegoria. Tem como proposta o espetáculo explícito para conquistar seus expectadores. Lamento, mas não é real. É um produto que pode e deve ser consumido com a devida moderação, que nos desperta uma saudável curiosidade e que nos ajuda a apimentar nossas relações, mas não nos deixemos enganar. Sexo é importante, mas não é o termômetro de nossas vidas. A qualidade é sempre melhor que a quantidade. Ser insaciável na cama pode causar uma boa impressão no início, mas isso também passa. Ser bom de cama não garante a fidelidade do parceiro. Bom de cama, na verdade, é algo que sequer existe. Virilidade não substitui cumplicidade.
Tudo isso foi dito tão somente para contar a história de Lucileide. Vinte oito anos, casada, gerente financeira. Ela preparava o café da manhã, quando seu celular anuncia o recebimento de uma nova mensagem de texto: “Parabéns! Agora você é medalha de prata! Conheci uma mulher que consegue ser pior que você na cama! Beijos, Walberson.”
Lucileide lembrava bem de Walberson. Tentaram engatar um namoro há uns oito anos, mas terminaram quando ele precisou sair do Rio e foi morar em São Paulo, por conta do trabalho. Não conseguia imaginar porquê ele escreveria aquilo. Só poderia estar brincando. Ela sempre se gabou de sua performance entre quatro paredes. Fazia questão de lembrar sua descendência de sangue quente, neta de italianos e espanhóis.
Passou uma semana incomodada , muitas vezes furiosa, com a mensagem. Por fim, decidiu ligar para ele. Manteve a pose, não tocou no assunto. Walberson disse que estaria no Rio no próximo final de semana e a convidou para almoçar. Mesmo achando muita cara-de-pau, aceitou o convite. Seria a oportunidade perfeita para interrogá-lo.
Durante o almoço, Walberson puxou vários assuntos, mas não demorou muito para Lucileide interrompê-lo:
_ Por que me mandou aquela mensagem?
_ Ah, Lu... Me desculpe! Naquela noite eu tinha conhecido uma mulher linda, modelo, atriz e praticante de pole dance. Estávamos numa festa e mal pude acreditar quando ela me deu bola. Achei que era meu dia de sorte! Levei-a para minha casa e...
_ E?
_ E nada. A mulher era cheia de frescuras, não parava de falar, neurótica com a própria aparência, insegura, imatura... Não rolou química. Foi a pior transa da minha vida! Estava tão decepcionado e chateado que acabei escrevendo aquilo.
_ Quer dizer que agora eu sou “medalha de prata”?
_ Bom, não se ofenda, Lu, mas as coisas não fluíam bem entre nós. Éramos muito jovens, você era muito afobada, desastrada... Sendo muito sincero, foi um alívio quando a empresa me chamou para trabalhar na matriz. Sem ofensas, ok?
Uma das coisas que Lucileide sempre admirou nele era sua sinceridade, mas não precisava tanto. Pediu licença e foi ao banheiro. Quando retornou, estava transfigurada. Pediu a conta ao garçom e foi direto ao assunto:
_ Vamos embora. Não temos muito tempo. Tem um motel aqui perto, vamos no seu carro. Mas que fique bem claro que sou uma mulher casada e isto nunca mais se repetirá, fui clara?
Walberson foi pego de surpresa, mas acatou.
Pegaram uma suíte super master presidencial mega plus king size top cinco estrelas. Durante duas horas, Lucileide deu o seu melhor. Fizeram de tudo em todas as posições e inventaram algumas novas. Não era tesão, era questão de honra! Não se rendeu pelo cansaço. Mais que sexo, isto seria um ato heroico. Uma façanha digna de uma amazona. Seu nome ficará registrado na memória deste homem como a experiência erótica mais incrível de sua vida.
Walberson voltou a São Paulo naquela noite. No dia seguinte, Lucileide chega atrasada no trabalho, exausta, mas radiante. Não conseguia conter o sorriso quando lembrava da cara de embasbacado de seu amante quando se despediram. Claro que seu marido não merecia ser traído, mas o prazer de sentir-se vingada era maior que o arrependimento. Se sentia maravilhosamente atraente e segura, quando uma nova mensagem a tirou de seu transe:
“Parabéns. Recuperou sua medalha de ouro. Beijos, Walberson.”


quarta-feira, 22 de maio de 2013

O Dia Que Botei a Polícia Pra Correr


Se você estiver prestes a comprar um carro novo com o dinheiro que vem economizando há anos, aconselho esperar um pouco mais, juntar mais uns trocados e comprar um blindado. Recomendo um tanque Challenger II. Pode pecar em conforto, além de ocupar muito espaço na garagem, mas é o veículo que melhor supre as necessidades do motorista moderno em uma cidade grande, onde o código de trânsito, a política de segurança e os valores sociais não são levados a sério.
Digo isso com o conhecimento de causa de quem sempre morou na mesma rua e dela tinha muito orgulho, até vê-la tomada por obstáculos de concreto e frequentada por jovens municiados de gírias chulas, mau gosto musical e um senso distorcido de patrimônio público.
Sempre há quem critique a ação da polícia, mas não me acho apto a julgar. Assim como os profissionais da área de Educação e da Saúde, os policiais são massacrados pelo poder do Estado, mau remunerados, desacreditados, além de arriscarem a vida em uma guerra onde seu efetivo está em constante desvantagem. Por conta de tudo isso, não me admira o caos social que vivemos e a dúvida em quem podemos confiar, pois os uniformes já não dão certeza do time que cada um está jogando.
Mas, voltando a falar de carro, pensem nas vantagens que um tanque pode oferecer. Você passaria por cima de qualquer barreira, um único disparo faria o trabalho de um milhão de buzinas, sem falar na mulherada que cairia matando quando você chegasse na balada desfilando com seu possante bélico. Mas, não esqueça, se for dirigir, não beba!
Se eu fosse proprietário de um tanque, evitaria algumas dores de cabeça, como na vez que minha esposa e eu estávamos próximos de casa, esperando o semáforo ficar verde, quando um outro carro bateu em minha traseira avariando o porta-malas. Fui checar os danos e qual não foi minha surpresa ao ver que o condutor distraído era um policial militar fardado. Ele disse que iria manobrar o carro para não atrapalhar o trânsito e conversarmos sobre os danos que ele causou, mas acelerou e fugiu.
Atordoado por ver um homem adulto, um representante da Lei, uma autoridade fugindo de sua responsabilidade, fiquei sem ação. Só despertei do choque quando minha mulher me sacudiu dizendo: “Tá todo mundo olhando! Faz alguma coisa!”.
E fiz. Gritei: “E não volte mais aqui, ouviu? Polícia na minha área não tem vez! Se te pego andando por aqui novamente não vai ficar bonito pra você!”
Desconsiderando os olhares ao redor, entramos no carro e fomos embora.
Estranhamente, após este evento, meus vizinhos passaram a me cumprimentar com frequência. Os jovens baderneiros deixaram de se reunir em minha calçada e até o lanterneiro que consertou meu carro se recusou a receber pelo serviço. “É por conta da casa, chefe”, disse ele. Achei tamanha generosidade desnecessária, mas aceitei de bom grado. Afinal, é um dinheiro que economizo. Quanto será que custa um tanque?   

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O Quarto de Hóspedes


Era a primeira vez que Jandira visitava Gerlane desde o casamento. Sempre foram muito próximas, mas os compromissos profissionais adiaram este reencontro por meses. Finalmente de férias, pôde conhecer a nova casa e a nova vida de sua irmã.
Inquilina de um apartamento de trinta metros quadrados, Jandira encantou-se com a bela e espaçosa casa, com jardim e churrasqueira, bem mobiliada e decorada com apreço. O esposo de Gerlane se chama Joílson. Ele não é o que podemos chamar de um homem fisicamente atraente, mas o que lhe falta em beleza sobra em carisma. Baixinho, calvo, pançudo e orgulhoso proprietário de um bigode antiquado. Ninguém compreende o que Gerlane viu nele, até conhecê-lo melhor.
A conversa rolava regada a aperitivos e cerveja gelada. Riam alto com os comentários divertidos de Joílson e das lembranças de quando eram crianças, como a vez em que Gerlane botou fogo no cabelo da boneca de Jandira, vingando-se do egoísmo da irmã que negou-se a dividir um brigadeiro com ela. Curiosamente, tal evento as uniu ainda mais e sempre fizeram questão de compartilhar tudo.
Já na hora de dormir, Jandira foi conduzida até o quarto de hóspedes, no segundo andar, bem ao lado do quarto do casal.
_ Às vezes Joílson tem insônia – advertiu, Gerlane – e perambula pela casa. Não se assuste se ouvir algum barulho no meio da noite.
_ Verdade – concordando, sempre brincalhão – , perco o sono e desço até a cozinho, onde me distraio com um copo de leite quente enquanto leio o jornal. Não estranhe se, na volta, eu me confundir e entrar no seu quarto e te agarrar por engano, ok?
Todos riram e se despediram desejando boa noite.
Jandira já estava preguiçosamente acomodada, quando decide mandar uma mensagem para Otaviano, através de um dos tantos aplicativos com conexão à internet de seu smartphone, combinando um cineminha para o próximo final de semana, tomando o devido cuidado de escolher bem as palavras, mantendo uma certa formalidade para ficar claro o descomprometimento desta relação. Ambos prezam pela liberdade e a ideia de um namoro sério não faz parte de seus planos no momento.
Quando o sono parecia chegar, Jandira se assusta com um ruído de porta se abrindo. No instante seguinte, a luz do corredor se acende, adentrando pela fresta entre o chão e a porta do quarto. “Deve ser Joílson, insone”, tranquilizou-se.
De repente, um par de sombras denuncia que há alguém parado diante da porta e ali permanecem por longos segundos, até se moverem em direção à escada. Som de passos se distanciando e, subitamente, a luz é apagada.
Olhou para o relógio: Duas e quinze. Gerlane sempre teve o sono pesado, nem deve notar quando o marido sai da cama. Mas o que interrompeu o itinerário de Joílson que o fez parar diante da porta? Foi aí que Jandira lembrou da brincadeira do cunhado, sobre entrar no quarto de hóspedes por engano. Seria mesmo brincadeira? E se de fato ele entrar? E se for de propósito? Não seria de admirar que ele se sentisse atraído por ela. Gerlane e a irmã são igualmente bonitas, mas Jandira sempre se valeu de ser mais alta e quatro anos mais jovem. Costuma chamar a atenção dos rapazes do trabalho, da faculdade e da academia.
Só pode ser isso. Canalha! Lembrou de como ele a abraçou e beijou no dia do casamento. Poderia ser só empolgação, mas algo parecia suspeito naquela exagerada demonstração de carinho. E ela ainda foi madrinha deles, que safado!
Norteada por um misto de decepção, asco e raiva, Jandira sabia exatamente o que fazer caso ele entrasse naquele quarto: iria golpeá-lo com toda força bem nas “bolas”! Ele gritaria de dor, acordaria Gerlane e iriam se divorciar. Isso que ele merece por pensar em traí-la!
Por outro lado, e se ele a desejar muito e for violento? Não o conhecia na intimidade, não saberia do que ele é capaz para ter o que quer. Jandira fica assustada. Pode sentir seu coração sacudindo o delicado tecido de sua camisola. Se sente acuada e desejaria que Otaviano estivesse ali com ela pra protegê-la com seus braços fortes. Sente um bolo seco na garganta impossível de engolir.
O que Joílson estaria planejando? O que está esperando para pôr em prática seu ataque? Pensou em acordar a irmã, mas ela não acreditaria sem um flagrante. Poderia fugir pela janela, mas é gradeada.
São duas e vinte e oito agora. Só se passaram infinitos treze minutos de agonia. Seria paranoia? Não pode ser. Joílson a cobriu de atenção o dia todo. Este homem a deseja, não há dúvidas. Como lidar com isso? Deveria fingir que está dormindo? Colocaria algo para bloquear a entrada, mas o único móvel pesado suficiente para isso seria a própria cama, pesada demais para ela sozinha mover.
“Ele vai entrar aqui e fazer o que quiser de mim!”, refletia em pânico. Que assim seja, então. Mas não será sem luta. Resistirá como puder e, quando não lhe restar mais forças, seu algoz lhe invadirá agressivamente, mas ela permanecerá em silêncio. Não demonstrará nem um traço de fraqueza ou dor. Não dará este prazer a ele. Assim que amanhecer, fará as malas e irá embora sem se despedir. Nunca mais voltará e jamais tocará neste assunto com ninguém. Este será um segredo que ela levará para o túmulo e sua irmã poderá seguir sua vida casada e feliz, sem conhecer a natureza monstruosa de seu companheiro.
Agora são três e doze da manhã. Nada ainda. Este suspense a tortura. Não suportando mais, decide encarar seu destino. Com as pernas trêmulas, caminha até a porta. O corredor está escuro. Tateando o corrimão, Jandira desce degrau por degrau na ponta dos pés. Percebe a luz da cozinha acesa. Ela ajeita a alça da camisola que pendia sobre o ombro. Respira fundo e encontra Joílson confortavelmente sentado à mesa, lendo jornal, com o bigode sujo de leite.
Jandira, paralisada, o observa em silêncio, até que ele nota sua presença.
_ Ô, cunhada! Desculpe se a acordei! Perdi o sono e...
Em um movimento brusco, Jandira desarma Joílson de seu jornal e o toma pela mão.
_ Jandira, o que...
_ Nem um pio!! – ameaça Jandira surrando, mas com firmeza – Cacete! Será que não sabe mais onde fica o quarto de hóspedes?!
_ Do que você está falando?? Vai acordar sua irmã!
_ Que se dane! Ela queimou o cabelo da minha boneca, lembra? Anda!