Não é de
hoje que cogito a possibilidade de ser pai. Protelei muito esperando
chegar o momento certo, mas o momento certo nunca chega quando
decidimos pensar bem no assunto. Nunca nos achamos suficientemente
preparados. Sempre há objetivos a serem alcançados para
oferecer um conformo maior ao futuro herdeiro. Claro que nem tudo
corre da maneira que planejamos. Certa feita, uma ex-namorada disse
estar grávida de um filho meu e exigiu que eu desse o dinheiro
para o aborto. Em desacordo com tal atitude, conversei com os pais
dela (sem mencionar o interesse da filha em interromper a gestação)
e garanti ser capaz de assumir essa responsabilidade. Estranhamente,
ela alegou ter passado mal e, com isso, ter perdido a criança
que hoje tenho sérias dúvidas se de fato existiu. Anos
mais tarde, passei por um episódio no mínimo cômico
quando, contrariando todos os métodos contraceptivos, uma
namorada suspeitou estar grávida, baseada nos sintomas que ela
vinha sentindo. Precisei relembrar a ela de sua condição
infértil, levando em conta o período de nossa relação,
sem contar com a precaução do uso de preservativos. A
reação dela diante de uma gravidez indesejada, que só
era possível em sua ansiosa mente, valeu como um aborto de
minhas expectativas.
Em ambos os casos, a
atitude das supostas mamães comprometeu muito a credibilidade
em minhas companheiras, mas em nenhum momento a ideia de eu ser pai
deixou de ser bem-vinda.
Longe de conflitos
genitores, minha noiva e eu não costumamos tocar no assunto,
pois priorizamos algumas metas pessoais antes de pensarmos com mais
seriedade no assunto,mas sempre nos sensibilizamos quando vemos um
casal desfilando com um bebê de colo.
Uma vez, acompanhei
minha noiva em uma reunião de amigos. Todos comprometidos e
com filhos. Apesar de bem recebido, optei sentar-me no sofá e
me distrair com a TV enquanto todos conversavam, mesmo porque
muitos dos assuntos tinham a ver com histórias que eu não
fazia parte.
Justo quando eu estava
entretido com o DVD do O Rappa, fui surpreendido por Maria Fernanda,
filha do casal anfitrião. Muito comunicativa, ela me abordou
com um repertório de brincadeiras difícil de resistir e
acabei embarcando naquela onda. De repente, ela confessou ser uma
vampira e, com o devido cuidado para não me ferir de verdade,
mordeu meu braço. Me contorci simulando a dor de ser subjugado
por tal criatura das trevas. Foi aí que resolvi dominar a
situação e fiz uso de uma conhecida lenda sobre os
vampiros:
_ Peraí! Se você
é vampira e você me mordeu, então agora eu também
sou um vampiro!
Me transfigurei e parti
para o contra-ataque. Claro que não seria tão fácil.
Ela tinha algumas cartas na manga. Quando finalmente a agarrei,
pronto para cravar minhas presas, minha pequena vítima revida:
_
Nuuuuuuuncaaaaaaaaa!!!
Ela bradou apontando as
palmas abertas das mãos em minha direção,
reproduzindo o som daquilo que seriam raios poderosos.
Fiquei chocado. Eu não
estava preparado para aquilo. Atordoado, ainda tentei escapar daquele
golpe com o mínimo de dignidade:
_ Você dispara
raio das mãos?! Vampiros não fazem isso!
_ É que eu sou
uma vampira mutante!!
Aquilo foi demais para
mim. Fui derrotado, humilhado, destruído. Por sorte, minha
noiva recolheu o que sobrou de mim para me enturmar com seus amigos.
Estaria eu realmente a salvo? O que mais esta vampira deixou em mim
com sua mordida?
Quando nos despedimos,
Maria Fernanda me presenteou com um forte abraço. No carro,
fiquei pensando se eu realmente estaria preparado para ser pai. Como
competir com tamanho poder imaginativo? Ainda abalado pelo impacto
causado pelos raios, percebo que seria melhor descartar essa ideia de
filhos. Não tinha me dado conta de como a paternidade pode ser
algo tão assustador.
Foi quando paramos no
semáforo vermelho que minha noiva tocou no assunto:
_ Reparei você
brincando com a Maria Fernanda. Você leva muito jeito com
crianças. Talvez seja a hora de começarmos a pensar em
ter filhos, que acha?
Instintivamente,
respondo em alto e bom som:
_
Nuuuuuuuncaaaaaaaaa!!!
Minha noiva encarou-me
com seriedade e quis entender.
_ Nunca?!
Percebendo o quão
insensível fui, tentei corrigir-me:
_ Nunca me senti tão
preparado para isso, amor!
_ Tá, e por que
suas mãos estão com as palmas abertas apontadas em
minha direção?
_ É... Uhuuu!!
Vamos ter um filho! Bate aqui!