O bar estava cheio, mas conseguimos um bom lugar. Estávamos prestes a pedir nossa cerveja preferida quando notei no cardápio que eles serviam algumas cervejas nacionais pouco conhecidas além de algumas importadas. Como bom apreciador, conhecia (ao menos de nome) algumas marcas e sugeri que experimentássemos uma cerveja artesanal fabricada em Campos do Jordão. Com o consentimento de minha amiga, chamei o garçom e ele nos serviu cheio de cerimônias com taças especiais para degustação.
O que passo a descrever não pode ser comparado a um mero gole de cerveja. Foi um momento mágico, um novo nível de percepção alcançado, uma celebração ao palato apurado, uma inequívoca experiência de erotização dos sentidos comparado a um orgasmo múltiplo em cada fibra de meu ser (confesso, este é outro exemplo exagerado, mas a cerveja era muito boa mesmo). A temperatura exata, a espuma cremosa, o aroma marcante e agradável... Minha amiga e eu nos olhamos, fizemos uma pausa de silêncio em um transe quase espiritual e sorrimos. Um brinde à sabedoria!

Eis que aconteceu algo que não prevíamos... Ao bebermos nossa cerveja de costume, simplesmente não era a mesma coisa. Não havia sabor, não havia prazer, não havia nada além da sensação de frustração. Não tínhamos como voltar atrás. Havíamos comido (bebido, melhor dizendo) do fruto proibido. Tomamos ciência do bem e do mal. Éramos felizes em nossa ignorância, banhamos nossa alma com o sagrado líquido dourado e fomos expulsos do paraíso. Conhecemos a verdade e a verdade nos aprisionou. Nem os fabulosos pastéis de camarão e queijo com tomate seco suprimiram nossa carência.
Semana seguinte minha amiga me ligou e marcamos outra cerveja. Desta vez fomos a um botequim mais modesto com opções facilmente encontradas em qualquer bar. “A cerveja está ótima”, disse ela com o primeiro gole. Concordei balançando a cabeça e disse:
_ Verdade, mas não é a mesma coisa que a...
Ela não me deixou terminar a frase. Segurou meu rosto com ambas as mãos, olhou-me nos olhos com um olhar de fúria e ordenou:
_ Nunca mais fale sobre aquela cerveja!! Aquilo nunca aconteceu, ouviu? Nunca!
Assenti, meio assustado. Ela acomodou-se na cadeira como se nada tivesse acontecido e voltamos a conversar e saborear nossa cerveja que, naquele momento, era única e inigualável (desta vez, sem exageros).
Tínhamos aberto a caixa de Pandora e agora bebíamos para esquecer.
Um brinde à ignorância!
4 comentários:
Por trás deste acontecimento tão quotidiano, há, nas entrelinhas, um diálogo - carregado de certa intertextualidade e de um profundo filosofismo - bastante interessante.
"Éramos felizes em nossa ignorância... conhecemos a verdade e a verdade nos aprisionou." A verdade, que normalmente liberta, também, simultaneamente, aprisiona.
Gostei bastante do texto, Cliver! Você é outro gigante! E, como sempre, estás de parabéns!
Um abraço,
Jefferson.
Hummm... Que dia mágico! O boteco, os petiscos, a cerveja (e que cerveja) e é claro a companhia. Toda vez que lembro deste dia,consigo sentir o gostinho do fruto proibido! Rs
Texto maravilhoso. Sabe, eu acho incrível como você consegue se superar a cada postagem nova.
Parabéns,
Salute!
Até o próximo boteco. Rs...
Nunca mais fale sobre aquela cerveja!! Aquilo nunca aconteceu, ouviu? Nunca!
??
HUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUA
Sei como são esses experimentos.
Verdadeiros divisores de água em nossas vidas! rs
Bem... Realmente só provando da Baden podemos ter a real dimensão do que você fala. Que bom que curtiu a cerva!
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