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sexta-feira, 11 de junho de 2010

Cartas de Amor a Quem Possa Interessar

_ Ai, amor... Já falei pra não trazer o laptop pra mesa na hora do jantar!
_ Desculpe, querida. Só estou checando meus e-mails.
_ Aposto que você está visitando aquele blog novamente.
_ Sim, estou, mas acho que vou deixar de segui-lo. Gosto dos textos com críticas bem humoradas e tal, mas ultimamente ele vem escrevendo uns textos tão deprê!
_ Ele deve estar passando por algum momento ruim. Agora anda, me ajude a pôr os pratos.
_ Ops! Olha só, ele acabou de enviar uma nova postagem!
_ “Cartas de Amor a Quem Possa Interessar”... O título é interessante.
_ Vou ler para você:

Conheci uma senhora idosa que costumava sentar-se em uma mesa de praça, daquelas onde alguns jogam dama, baralho, xadrez... Ela se acomodava ali com um caderno, uma caneta e uma velha caixa de sapatos ao lado. Certa feita, eu a abordei perguntando se tratar de um livro que estava escrevendo. Ela me lançou um sorriso amável e respondeu-me que eram apenas cartas.
Todos na rua conheciam a história daquela senhora. Seu ex-marido a abandonou por outra mulher depois de um casamento de doze anos. Ele ainda a procurou, oferecendo amizade, mas não demorou muito para ele se afastar e nunca mais entrar em contato. Seu nome era Antenor.
Um belo dia, soube que ela morreu. Passando em frente a sua casa, resgatei a tal caixa de sapatos que reconheci em meio a um amontoado de velharias em uma caçamba de lixo. Dentro da caixa, havia uma agenda telefônica com páginas amareladas, uma foto em preto e branco do casal e centenas de cartas cuidadosamente organizadas dentro de seus respectivos envelopes, onde se lia no campo do destinatário as seguintes letras: A Q P I. Deduzi que se tratava das iniciais de seu ex-marido.
Certo que a falecida não se incomodaria com minha curiosidade, pus-me a ler todas as cartas. A primeira datava de vinte anos atrás. Não lembro de ter lido na vida algo tão vívido e intenso sobre o amor. Eram declarações apaixonadas de alguém que não demonstrava uma única vírgula de rancor ou mágoa. Cada verso celebrava os momentos de ternura eternizados em seu coração. Uma narrativa comovente de gratidão, ternura e afeto. Meus olhos cansavam à medida que as cartas se tornavam mais recentes e a caligrafia, ora elegante e acadêmica, aos poucos perdia a firmeza nos traços e, em alguns momentos, chegava a ser ilegível.
Não fiz conta das horas que se passaram, mas no horizonte um novo dia despontava. Dentro daquela agenda, encontrei o telefone do homem que inspirou todo aquele manuscrito. Decidi ligar para dar-lhe a notícia sobre a morte da autora e saber se ele gostaria que eu lhe enviasse as cartas pelo correio. Quem atendeu foi uma voz infantil de menina que gritou “vovô, é pra você”.
_ Senhor Antenor? Eu tenho um recado de sua ex-mulher...
Ele ficou inquieto, vociferou interrompendo-me.
_ Essa é boa... Depois de vinte anos essa mulher ainda quer assunto? Será que ela não entende que foi melhor assim? Eu tenho minha vida, minha família, não me interessa nada que venha desta pessoa!
Claro que fiquei surpreso com tal reação e estava prestes a desligar, quando olhei para o nome completo de Antenor na agenda... A Q P I... Fora a primeira letra, as outras nada tinham a ver com o nome dele.
_ Mas, anda, rapaz! Que diabo de recado é esse?
Respirei fundo e passei o recado:
_ Ela mandou dizer que você é um tremendo babaca.
Antes que eu colocasse o fone no gancho, ainda pude ouvir o velho Antenor praguejando.
No dia seguinte, deixei a caixa de sapatos sobre a mesma mesa daquela mesma praça onde nossa romântica escritora se inspirava e, antes de seguir meu caminho, tomei a providência de escrever na tampa da caixa um aviso, para que as cartas pudessem continuar a alcançar seu destino:
“A Quem Possa Interessar.”

_ E aí, gostou?
_ É bonito... Mas é triste também...
_ Ah, vai! Ele chamou o cara de babaca! Isso foi engraçado! Ou não?
_ Será que isso aconteceu mesmo?
_ Não sei... Por via das dúvidas, melhor eu parar de seguir este blog...
_ É... Talvez seja melhor mesmo... Bom, vamos jantar.
_ Sim querida, vamos.

4 comentários:

Amanda Herdt disse...

Ah, o amor...
Ô sentimento clichê, mas que mexe com os nossos corações. O texto " A Quem Possa Interessar" é a retratação de um amor incondicional, um amor que se tornou solitáro. Uma espécie de celebraçao póstuma.
Sem ofensa aos portugueses, mas esse Antenor deve ser aqueles portugueses rabugentos,ignorantes, um verdadeiro babaca. O pior que tem gente agindo assim por aí.
Esse mundo tá perdido mesmo.
Vai entender.
Beijos,
Amanda Herdt

Anônimo disse...

"É bonito... mas é triste também"; É bonito e triste, mas na medida certa.
Parabéns pelo ótimo texto!

Um abraço,
Jefferson.

Fernanda disse...

isso é só pela vespera do dia dos namorados? rs
Não pude me privar de lembrar da uma música que o Lobão canta e diz algo assim:
"E de repente o telefone toca e é você do outro lado me ligando e é você me devolvendo minha insônia, minhas bobagens. pra me lembrar que eu fui a coisa mais brega que pousou na sua sopa de tédio, tão canastrona, que nunca funcionou nem funciona"
Ahhhh, o amor... será que realmente existe??

Alessandro Rabello disse...

Acho que vou parar de seguir esse blog! hahahaha!!