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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Ode a Meus pais Imperfeitos

Não escolhemos nascer, assim como não escolhemos a combinação genética que determinará nossa cadeia hereditária. Uma vez que não nos cabe escolha, podemos afirmar que parentesco não é um privilégio, mas uma conseqüência. A vida não escolhe, a vida simplesmente acontece.
Não acredito em afeto por obrigação. Pessoalmente não fico feliz em imaginar que meus pais me educaram e me alimentaram por obrigação. Prefiro crer que houve uma motivação amorosa, mesmo que distante, um sentimento de proteção, carinho e amparo.
Sou filho de pais separados e, quando criança, testemunhei e enfrentei muitas coisas que alguns adultos teriam dificuldade em assimilar. Minha criação não foi das melhores, mas, a julgar pelas histórias que insistem em circular pelos noticiários, hoje sei que tive muita sorte.
Levantar a mão contra um inocente, além de fácil, pode ser viciante. Quem agride uma criança experimenta uma sensação de poder, de domínio, e acaba fazendo da violência uma rotina para desabafar suas próprias frustrações.
Não fiz escolhas, apenas me adaptei às condições que a vida me ofereceu.
Se por algum momento eu esqueci de agradecer por algo que vocês fizeram por mim, deixo aqui registrado minha gratidão por muitas das coisas que nunca me fizeram:
Obrigado por não terem me esquecido dentro do carro no estacionamento debaixo de um sol de 40ºC.
Obrigado por não terem me jogado da janela do 6º andar.
Obrigado por não terem me abandonado perto de um formigueiro debaixo de uma passarela.
Obrigado por não terem me trancado em um porão me privando de liberdade.
Obrigado por não terem me arremessado no pára-brisa de um carro em movimento ou batido com minha cabeça em um tronco de árvore.
Obrigado por não terem me jogado em um rio poluído dentro de um saco plástico.
Obrigado por não terem me feito experimentar drogas ou a praticar atos que comprometessem minha integridade moral.
Obrigado por não terem inserido dezenas de agulhas em meu corpo por conta de algum pacto satânico.
Obrigado por não terem explorado minha fragilidade em troca de qualquer benefício.
A meus pais imperfeitos sou grato, inclusive por seus erros, pois nunca tiveram a obrigação de acertar. Me entristece pensar que muitas crianças não têm a mesma sorte que eu tive.

Um comentário:

Luana de Deus Temperine disse...

Conhecendo a sua história, reconheço a sua generosidade neste texto. Parabéns por sua visão realista e otimista, em relação aos seus pais. É somo sempre devemos ver a vida, o copo meio cheio,nunca o contrário!!!!!Bjos