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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Nunca


Não é de hoje que cogito a possibilidade de ser pai. Protelei muito esperando chegar o momento certo, mas o momento certo nunca chega quando decidimos pensar bem no assunto. Nunca nos achamos suficientemente preparados. Sempre há objetivos a serem alcançados para oferecer um conformo maior ao futuro herdeiro. Claro que nem tudo corre da maneira que planejamos. Certa feita, uma ex-namorada disse estar grávida de um filho meu e exigiu que eu desse o dinheiro para o aborto. Em desacordo com tal atitude, conversei com os pais dela (sem mencionar o interesse da filha em interromper a gestação) e garanti ser capaz de assumir essa responsabilidade. Estranhamente, ela alegou ter passado mal e, com isso, ter perdido a criança que hoje tenho sérias dúvidas se de fato existiu. Anos mais tarde, passei por um episódio no mínimo cômico quando, contrariando todos os métodos contraceptivos, uma namorada suspeitou estar grávida, baseada nos sintomas que ela vinha sentindo. Precisei relembrar a ela de sua condição infértil, levando em conta o período de nossa relação, sem contar com a precaução do uso de preservativos. A reação dela diante de uma gravidez indesejada, que só era possível em sua ansiosa mente, valeu como um aborto de minhas expectativas.
Em ambos os casos, a atitude das supostas mamães comprometeu muito a credibilidade em minhas companheiras, mas em nenhum momento a ideia de eu ser pai deixou de ser bem-vinda.
Longe de conflitos genitores, minha noiva e eu não costumamos tocar no assunto, pois priorizamos algumas metas pessoais antes de pensarmos com mais seriedade no assunto,mas sempre nos sensibilizamos quando vemos um casal desfilando com um bebê de colo.
Uma vez, acompanhei minha noiva em uma reunião de amigos. Todos comprometidos e com filhos. Apesar de bem recebido, optei sentar-me no sofá e me distrair com a TV enquanto todos conversavam, mesmo porque muitos dos assuntos tinham a ver com histórias que eu não fazia parte.
Justo quando eu estava entretido com o DVD do O Rappa, fui surpreendido por Maria Fernanda, filha do casal anfitrião. Muito comunicativa, ela me abordou com um repertório de brincadeiras difícil de resistir e acabei embarcando naquela onda. De repente, ela confessou ser uma vampira e, com o devido cuidado para não me ferir de verdade, mordeu meu braço. Me contorci simulando a dor de ser subjugado por tal criatura das trevas. Foi aí que resolvi dominar a situação e fiz uso de uma conhecida lenda sobre os vampiros:
_ Peraí! Se você é vampira e você me mordeu, então agora eu também sou um vampiro!
Me transfigurei e parti para o contra-ataque. Claro que não seria tão fácil. Ela tinha algumas cartas na manga. Quando finalmente a agarrei, pronto para cravar minhas presas, minha pequena vítima revida:
_ Nuuuuuuuncaaaaaaaaa!!!
Ela bradou apontando as palmas abertas das mãos em minha direção, reproduzindo o som daquilo que seriam raios poderosos.
Fiquei chocado. Eu não estava preparado para aquilo. Atordoado, ainda tentei escapar daquele golpe com o mínimo de dignidade:
_ Você dispara raio das mãos?! Vampiros não fazem isso!
_ É que eu sou uma vampira mutante!!
Aquilo foi demais para mim. Fui derrotado, humilhado, destruído. Por sorte, minha noiva recolheu o que sobrou de mim para me enturmar com seus amigos. Estaria eu realmente a salvo? O que mais esta vampira deixou em mim com sua mordida?
Quando nos despedimos, Maria Fernanda me presenteou com um forte abraço. No carro, fiquei pensando se eu realmente estaria preparado para ser pai. Como competir com tamanho poder imaginativo? Ainda abalado pelo impacto causado pelos raios, percebo que seria melhor descartar essa ideia de filhos. Não tinha me dado conta de como a paternidade pode ser algo tão assustador.
Foi quando paramos no semáforo vermelho que minha noiva tocou no assunto:
_ Reparei você brincando com a Maria Fernanda. Você leva muito jeito com crianças. Talvez seja a hora de começarmos a pensar em ter filhos, que acha?
Instintivamente, respondo em alto e bom som:
_ Nuuuuuuuncaaaaaaaaa!!!
Minha noiva encarou-me com seriedade e quis entender.
_ Nunca?!
Percebendo o quão insensível fui, tentei corrigir-me:
_ Nunca me senti tão preparado para isso, amor!
_ Tá, e por que suas mãos estão com as palmas abertas apontadas em minha direção?
_ É... Uhuuu!! Vamos ter um filho! Bate aqui!

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Repescagem

Existe uma razão para a expressão “namoro sério”. É que a partir deste ponto os sorrisos ficam cada vez mais raros. Durante muito tempo eu comparava conhecer os pais da menina como uma espécie de vestibular. A gente se prepara para enfrentar o grande momento em que seremos ou não aprovados por nossos futuros sogros. Hoje percebo que tal comparação é uma tremenda injustiça com o pobre vestibular, afinal, no vestibular sempre há a possibilidade de ser aprovado. Numa apresentação aos pais de sua namorada você já está reprovado desde o momento em que eles souberam de sua existência. Você pode até passar na repescagem, mas haja burocracia!
Tive sorte com alguns pais de namoradas, mas, de um modo geral, os trâmites são sempre os mesmos e as conclusões também: “Quais são suas intenções? Estuda? Trabalha? Ganha quanto? Tem tatuagens? Qual seu time? Faz uso de entorpecentes e outras drogas ilícitas? Tem vínculo com alguma célula terrorista?...”
Algumas questões são pegadinhas:
_ Paga pensão alimentícia?
_ Não, senhor.
_ Sabia que você pode ser preso por isso?
_ Mas eu não tenho filhos!
_ Você é gay?
_ Não! É que eu nunca fui casado!
_ Então quer se juntar com minha filha pra engravidá-la e pular fora sem pagar pensão?!?! Quer ir pra prisão virar mulherzinha, né??
_ Hã?!
Mesmo quando você acredita que está aprovado, você descobre que precisa constantemente provar ser merecedor da bênção de estar freqüentando esta casa. É preciso estar sempre elogiando a comida da sogra, sempre disposto a ajudar o sogro nos trabalhos braçais e sua namorada deve estar sempre com um sorriso estampado no rosto! A inobservância de qualquer uma destas obrigações pode acarretar em punições severas e/ou imediata expulsão desta instituição familiar.
E não adianta provar suas boas intenções. Lembro do dia em que resolvi ficar noivo. Na hora de falar com meus sogros tive a impressão que eu havia cometido um crime hediondo... “Vocês vão viver de quê? Isso é alguma piada? Vão morar onde? Não pense que vão fazer ‘puxadinho’ aqui não!...” Me senti o homem mais miserável do planeta e, depois disso, o noivado não foi pra frente.
Tudo que acontece na vida nos serve como experiência. Espero que isso valha também para os casos de “namoro sério”. Imagine como seria bom se para cada experiência ruim acumulássemos pontos que nos garantiria uma certa vantagem na próxima tentativa:
_ Pretende namorar minha filha? É bolsista? Tem algum tipo de desconto?
_ Não, mas tenho direito pelo sistema de cotas!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Ode a Meus pais Imperfeitos

Não escolhemos nascer, assim como não escolhemos a combinação genética que determinará nossa cadeia hereditária. Uma vez que não nos cabe escolha, podemos afirmar que parentesco não é um privilégio, mas uma conseqüência. A vida não escolhe, a vida simplesmente acontece.
Não acredito em afeto por obrigação. Pessoalmente não fico feliz em imaginar que meus pais me educaram e me alimentaram por obrigação. Prefiro crer que houve uma motivação amorosa, mesmo que distante, um sentimento de proteção, carinho e amparo.
Sou filho de pais separados e, quando criança, testemunhei e enfrentei muitas coisas que alguns adultos teriam dificuldade em assimilar. Minha criação não foi das melhores, mas, a julgar pelas histórias que insistem em circular pelos noticiários, hoje sei que tive muita sorte.
Levantar a mão contra um inocente, além de fácil, pode ser viciante. Quem agride uma criança experimenta uma sensação de poder, de domínio, e acaba fazendo da violência uma rotina para desabafar suas próprias frustrações.
Não fiz escolhas, apenas me adaptei às condições que a vida me ofereceu.
Se por algum momento eu esqueci de agradecer por algo que vocês fizeram por mim, deixo aqui registrado minha gratidão por muitas das coisas que nunca me fizeram:
Obrigado por não terem me esquecido dentro do carro no estacionamento debaixo de um sol de 40ºC.
Obrigado por não terem me jogado da janela do 6º andar.
Obrigado por não terem me abandonado perto de um formigueiro debaixo de uma passarela.
Obrigado por não terem me trancado em um porão me privando de liberdade.
Obrigado por não terem me arremessado no pára-brisa de um carro em movimento ou batido com minha cabeça em um tronco de árvore.
Obrigado por não terem me jogado em um rio poluído dentro de um saco plástico.
Obrigado por não terem me feito experimentar drogas ou a praticar atos que comprometessem minha integridade moral.
Obrigado por não terem inserido dezenas de agulhas em meu corpo por conta de algum pacto satânico.
Obrigado por não terem explorado minha fragilidade em troca de qualquer benefício.
A meus pais imperfeitos sou grato, inclusive por seus erros, pois nunca tiveram a obrigação de acertar. Me entristece pensar que muitas crianças não têm a mesma sorte que eu tive.