Leitores

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Cara

Deixa ver... Hmm... Pão integral, leite desnatado, alface hidropônica, rúcula, ricota, biscoito água e sal, suco sem açúcar... Acho que não esqueci nada. Desde o dia em que o médico disse que eu precisava emagrecer minha namorada me obriga a comprar essas coisas. Pior de tudo é pagar tão caro para comprar uns troços que tem gosto de isopor! Mas ela se preocupa comigo e eu procuro cooperar, afinal é para meu próprio bem, não é? Às vezes me aborrece tanto zelo. Ela fica tentando me convencer de corrermos no Aterro do Flamengo, mas sempre dou um jeito de escapar.
Me vi obrigado a mudar de rotina. Isso aqui para mim, por exemplo, é novidade: encarar fila em supermercado! Quando eu sentia fome eu comia qualquer coisa na rua, pedia uma pizza, inventava receitas mirabolantes com miojo...
Há um cartaz pendurado sobre o caixa onde se lê “caixa rápido – até dez volumes”. Tenho a impressão que o gerente escolhe a operadora de caixa mais lerda para essa função! Tudo bem, tudo bem... Confesso que estou mal humorado. Deve ser abstinência de açúcar, sei lá. O fato é que odeio filas, odeio dietas e odeio a maldita balança que debocha de mim. Da última vez que subi nela descobri que em duas semanas eu havia perdido exatos catorze dias de minha vida! E essa fila que não anda?
“Com licença”, diz um rapaz enorme e marombado imediatamente a minha frente, “pode olhar meu lugar enquanto vou ali pegar uma parada?” Consenti e ele deixou o carrinho com suas compras marcando seu lugar na fila. Seis packs de cerveja em lata, algumas peças de carne, cachaça, limão, energéticos... Ele voltou trazendo mais bebida. “Cerveja nunca é de mais, né?”, disse ele todo animado. “Pelo visto vai ser um churrasco e tanto”, disse concordando e morrendo de inveja. Ele saca o celular do bolso da calça camuflada: “Oi, amor! Sim, sim... Não vou esquecer, pode deixar. Beijos, cachorrona!” Quando ele chegou no caixa, pediu a operadora oito pacotes de camisinha. “Sexo também nunca é de mais, né?”
Paguei minhas compras indignado. Aquele sujeito tem a vida que eu pedi a Deus! Forte, boa pinta, curte uma cerva e compra camisinha como se fosse munição para uma metralhadora! Ele é o cara! Assim que eu chegar em casa quebrarei a balança em mil pedaços e ligarei para minha namorada para termos uma conversa muito séria! Essas frescuras de dieta estão oprimindo meu lado selvagem! Preciso resgatar minha masculidade, minha condição de macho! Vou mostrar a ela quem é que manda! Chega de castração!
Quando entro no carro, vejo o sujeito indo até um carro enorme estacionado com um outro sujeito (igualmente enorme) todo tatuado encostado na porta. Eles pareciam discutir e achei que dali sairia uma porrada das feias! Concentrei minha audição e percebi que eles brigavam por causa da carne. Alguma coisa a ver com comprar mais linguiça e menos asa. O tatuado socou o teto do carro: “Você só faz as coisas do seu jeito!” O outro segurou-o pelo braço e rebateu: “Porra, vai amassar o carro por causa disso?”, na réplica: “É com esta merda de carro que você se importa?” O outro olhou-o bem nos olhos e disse: “Vou te mostrar com quê me importo!”
Pensei que a porrada fosse começar naquele momento, no entanto eles fizeram as pazes com um vigoroso e másculo beijo na boca com direito a amassos e puxões de cabelo.
_ Anda. Entra no carro e vamos pra casa, cachorrona!
_ Au, au!
Depois de um breve instante me recuperando do choque, peguei o celular e digitei uma sequência de oito dígitos devidamente memorizada.
_ Alô? Oi amor! A corridinha no Aterro amanhã está de pé?

8 comentários:

Fernanda disse...

O "cachorrona" foi toque de mestre.
Sensacional. Não entendo pq vc não escreve mais. vc tem todo o deboche eirônia dos melhores escritores.

Adoro isso.

=**

Glaucia disse...

Hahahahahaha!!! Amei!!!
A sua receita de juntar fantasia e realidade produz uma refeição deliciosa e uma degustação divertida e agradável!!!
Ahhh, e o melhor: nessa receita não há restrições e você aproveita isso com muito talento!! ;)

João Henrique disse...

Hehehehe, é rapa, tem que se cuidar! Ta achando que é facil! ABraços

Ostra disse...

Adorei,Cli!!Lembrei de uma expressão que li por aí: "Antigamente gays eram mortos, depois passaram a ser apenas hostilizados, depois, a ser tolerados, ultimamente admirados, acho vou embora antes que ser gay se torne obrigatório!"
Beijos de Ostra,

Luck santiago disse...

hahaha Demais !!!

Iza Andrade disse...

Q talento!!!! adorei o texto
Pensou melhor né ... agora tá querendo correr no aterror hahahaha

CARLOS disse...

KKKKKK Muito divertido. Revendo seus conceitos? rsrs

Priscila Zarth disse...

shaushaushausha.... Ameeii.. BIS BIS BIS... aguardo outros textos assim!!