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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Triplo B: O Novo Césio

Não tenho o hábito de escrever sobre o que desconheço. Procuro buscar alguma informação antes de escrever sobre o assunto. Certos temas necessitam de um estudo maior que outro, mas em certos casos (como este) o mínimo de conhecimento é o suficiente para expressarmos uma opinião. Sempre evitei escrever sobre um certo “show de realidade” de conteúdo banal, bizarro e bestial (Triplo B) pois sei que, fale bem ou fale mal, é uma forma de propagandear tal evento televisivo. Semelhante ao Césio 137, o Triplo B é um produto radioativo e igualmente nocivo. Por apenas alguns minutos fiquei exposto às microondas emitidas de meu televisor e percebi que não dava para ficar calado diante de tal ameaça.
Lembro que há alguns anos atrás as pessoas se incomodavam com o excesso de câmeras de vigilância em condomínios fechados. Os moradores se queixavam da falta de privacidade até dentro dos elevadores. As câmeras estão por toda parte. Nas empresas, nas ruas, lojas, em celulares... A vigilância faz parte de nossa rotina e hoje não somente é bem-vinda como tornou-se o objetivo máximo de uma sociedade voyer que sonha com fama e fortuna acima de qualquer coisa.
A proposta de um “zoológico humano” é até interessante, pois propõe uma idéia de estudo comportamental em condições de enclausuramento. O problema é que todo comportamento é manipulado para alcançar altos pontos no ibope. O programa sugere que o habitat natural de um ser humano seja uma mansão com piscina, academia, hidromassagem e todo conforto que o dinheiro possa comprar. As atividades se resumem em festas, preguiça e competições cujo único objetivo é atiçar a ganância. Se há o propósito de mostrar a natureza humana, certamente trata-se do pior lado de nossa natureza. Todo assunto gira em torno de fofocas, intrigas, inveja, futilidades, sexo, materialismo e mentiras. A impressão que dá é que todo discurso produtivo (se é que há algum) deve ser cortado na edição.
Quando levamos em conta a questão da índole, percebemos que os competidores mais populares são justamente aqueles que agem de maneira amoral. A sugestão explícita do programa é a mensagem de libertinagem, sexismo, desprendimento emocional e curtição desmedida e desregrada. Longe de ser preconceituoso, acho que há algo muito errado quando assuntos sérios e de cunho pessoal são tratados de maneira tão vulgar e irresponsável em horário nobre. Tanto faz a orientação sexual de cada um, mas quando isso é explorado como espetáculo circense, nosso conceito de intimidade e família fica seriamente comprometido.
O mais cruel é ter um jornalista renomado, um formador de opinião de alta credibilidade, além de talentoso poeta, se submeter ao papel de comandante desta “nave-mãe” e se referir aos famigerados tripulantes como “nossos heróis”. Esqueçamos bombeiros, médicos, policiais, ambientalistas e outros tantos que abraçam a luta em prol do bem comum colocando a vida alheia acima de seu próprio bem estar. Ser herói ganhou uma nova conotação. Heroísmo é exibir-se em trajes de banho, promover erotismo gratuito e disputar recompensas milionárias.
Até aqui não disse nada que todos já não saibam e, ainda assim, há quem defenda tal entretenimento. Admito que muitas vezes me diverti com situações que não me acrescentaram positivamente em nada (às vezes é bom não nos levarmos tão a sério), mas chegarmos ao ponto de aceitarmos tal distração como assunto principal (jornais, internet, programas de TV...) e meta de nossas vidas é imensamente ofensivo.
Em 1987, o Brasil comoveu-se com a tragédia que marcou milhares de pessoas que tiveram contato com um certo cilindro metálico em Goiânia. Hoje a contaminação ganha formatos mais atraentes. Somos milhares de vítimas voluntárias deste experimento que, diferente do Césio, não gera deformações físicas, mas deforma nosso conceito de moralidade, dignidade, honestidade, bom senso e valores.
Quem acompanha meus textos certamente sentirá falta de um tom mais cômico neste artigo, mas esse assunto não cabe outra abordagem senão a da indignação. Uma coisa é rir de um sujeito que tropeça na lama (não que isso tenha graça), outra coisa é rir de nós mesmos quando estamos até o pescoço na areia movediça.

3 comentários:

Fernanda disse...

entendo sua indignação.
Heroísmo tb ocupava outro significado em meu dicionário.
=**

Priscila Zarth disse...

Concordo com você.Meu grande herói é Jesus Cristo e acredito que às coisas anti éticas que à TV exibi de certa forma desvaloriza o ser humano e influencia de alguma forma à achar todo esse lado negativo do ser humano uma coisa comum, e assim vimos exageiro de falta de respeito e falta de ética das pessoas por todo lugar. Parabéns pelas palavras bravo escritor!

Gio Gomes disse...

-Outra coisa é rir de nós mesmos quando estamos até o pescoço na areia movediça.

...Silêncio no recinto...

Genial, brother, genial.