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quinta-feira, 31 de março de 2011

Pedaços Soltos

Vinte minutos. Márcia não é de se atrasar. Eis uma coisa que não posso me queixar. Ela sempre foi pontual com seus compromissos. Na verdade não há nada que me desagrade nela que eu me lembre (fora aquela mania chata de me obrigar a assistir os filmes do Almodóvar que ela tanto gosta). Márcia foi uma esposa perfeita. Como a deixei escapar?
Desde da separação mantemos contato e nos tratamos de maneira civilizada. A cada quinze dias nos encontramos aqui na praça. Ela traz nosso filho para passar o final de semana comigo. Ela é uma excelente mãe.
Por que ela está atrasada? Cada minuto sentado aqui neste banco aproxima minha mente de lembranças que me enchem de culpa. Tudo bem, eu nunca fui santo. Já errei muitas vezes. Estive com outras mulheres quando casado. Da última vez que aprontei, cheguei em casa de madrugada alegando ter que ficar na firma até mais tarde quando na verdade eu estava com a Ingrid (ou teria sido a Rebeca?). De manhã, sentei à mesa e puxei assunto enquanto tomava café. Márcia respondia em monossílabos sem me olhar nos olhos. Peguei um pedaço do bolo de cenoura para disfarçar meu nervosismo.
_ Hmmm... Delícia! Ninguém faz um bolo de cenoura como você, amor!
_ Gostou desse?
_ Se gostei?! Nossa! Desta vez você se superou! Sem dúvidas é o melhor bolo de cenoura que você já fez!
_ Melhor que o que eu fazia para você no início do nosso namoro?
_ Infinitamente melhor! Você me surpreende a cada dia!
Fui para o trabalho e quando cheguei em casa ela não estava lá. Márcia se foi levando nosso filho e algumas roupas. Dias depois chegou o pedido de divórcio.
Sempre fui muito astuto e cuidadoso com meus “pulinhos de cerca”. Seja como for, nunca tive coragem de puxar assunto. Apenas aceitei os termos da separação sem questionar. O que de fato a motivou tomar essa decisão depois de doze anos de relacionamento?
Finalmente ela chegou. Nossa... Ela está mais linda que nunca.
_ Oi, Paulo. Desculpe o atraso. O trânsito esta hora é bem complicado.
_ Oi, papai!
_ Oi, garotão! Tudo bom? Espera só um pouquinho ali no balanço que eu preciso falar com sua mãe, ok?
Nosso filho prefere a gangorra e faz amizade rapidamente com outra criança.
_ Olha, Márcia... Já faz um ano que nos separamos. Desde então eu venho pensando sobre tudo que fiz de errado e não há nada mais fantasmagórico para uma mente culpada que não saber a razão de seus remorsos. Fugi da verdade por muito tempo, mas não suporto mais... Por que você foi embora?
_ Bom... Você me pegou de surpresa. Não penso mais nisso faz tempo. Mas, se precisa de uma reposta, eu diria que foi uma coleção de pequenas coisas que se tornaram enormes. Pequenos descuidos, desleixos, vacilos... Até que cheguei ao limite.
_ Certo... E qual foi a gota d’água?
_ Certa vez, quando éramos namorados, eu disse a você que tolerava qualquer coisa, menos traição.
_ Eu sabia! Sabia que era isso! Não faço ideia como você descobriu meus casos, mas eu sinto muito! Saiba que desde então estou sozinho! Não consigo me relacionar com mais ninguém! Me perdoe, mas saiba que foram apenas aventuras idiotas!
Márcia olhou para o chão e seu semblante ressurgiu com um sorriso delicado e um olhar de compreensão.
_ Vocês homens... Acham que tudo tem a ver com sexo! Sempre soube que você era um safado, mas agradeço por confirmar. Eu desconfiava de suas armações, mas preferia fingir que era coisa da minha cabeça. Há muitas outras formas de se trair alguém, Paulo. Mentir é uma delas. Desconfiança, intolerância e desrespeito. Ignorar as necessidades do outro, esquecer seus deveres, faltar com a cumplicidade, agir com desafeto,
_ Fui tão ruim assim?
_ Não foi, Paulo. Estes são só alguns exemplos de traição. Esqueça as outras mulheres. O muro que nos afastou foi a soma de vários pedaços soltos. Alguns desses pedaços também foram espalhados por mim. Eu só juntei os cacos e tomei uma decisão.
Apesar de confuso, concordo devolvendo um olhar de compreensão.
_ Agora preciso ir, Paulo. Tenho compromisso e, você sabe, detesto me atrasar.
_Compromisso?!
_ Não que seja da sua conta – disse ainda sorrindo – ,mas só porque não consegue se relacionar com ninguém, não quer dizer que eu não consiga. E olha... Se realmente quer saber qual foi a gota d’água... Foi o bolo de cenoura.
_ O bolo de cenoura?!
_ O bolo era de laranja. E nem fui eu que fiz. É da padaria do Tião. Você sempre elogiou meu bolo de cenoura, mas nem sequer notou diferença.
Márcia entra no carro e se despede mandando um beijo no ar para nosso filho.
_ Papai, aonde vamos?
_ Onde você quiser, filho... Mas antes preciso passar na locadora de vídeo... Acho que não dei a devida atenção aos filmes de Almodóvar. Depois vamos à padaria do seu Tião.
_ Padaria?!
_ Pois é... Me bateu uma vontade enorme de comer bolo de laranja.

sábado, 19 de março de 2011

Palestras (Workshop) dia 29/4/2011

"Cliver de Oliveira"?!
De onde esse povo tira essas ideias?
Seja como for, eis aí o convite. Clique na imagem para ampliá-la.
Atenção: As palestras do dia 22/4 serão realizadas no dia 29/4, devido ao feriado da semana santa.



sexta-feira, 18 de março de 2011

Como Montar uma Banda de Rock - Manual de Sobrevivência

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“Junte sete selos do seu jornal de bairro mais cinco reais e noventa e nove centavos e troque nos postos autorizados por um músico e seu respectivo instrumento! Complete sua coleção e arrase nos shows!!”

Bom seria se fosse algo simples assim. Como todo trabalho em equipe, montar uma banda requer talento para lidar com fatores humanos. Trabalhar com pessoas é sempre um desafio, ainda mais quando nos referimos a um projeto onde cada membro é um artista com suas peculiares interpretações sobre o universo musical.
Na minha opinião, há duas regras a serem observadas para que a proposta funcione: o vocalista canta para o público e os músicos tocam para o vocalista. Se isso estiver bem claro em sua cabeça, sua banda tem boas chances de dar certo, desde que você encontre outras pessoas igualmente adeptas desse pensamento.
Minha experiência no mundo da música me rendeu uma certa bagagem, de modo que me sinto na obrigação de alertar os desbravadores que almejam aventurar-se por essas veredas. Eis os arquétipos que vocês certamente enfrentarão em sua jornada:

Vocalista: Cartão de visita da banda. Todos o encaram como líder e ele faz questão de acreditar nisso. Acha que ninguém na banda leva o trabalho a sério, a não ser ele. Adora ter seu ego massageado e não admite ser menos que o centro das atenções. Sempre armado com discursos ensaiados como se fosse ser abordado a qualquer momento para uma entrevista. Tem o hábito de ensaiar poses na frente do espelho usando o controle remoto como microfone. Colecionador de roupas esquisitas. Se ele também é o letrista, se intitula o poeta incompreendido. Se ele toca algum instrumento (principalmente violão e/ou teclado) é só questão de tempo para ele jogar tudo pro alto para arriscar-se em uma carreira solo.

Guitarrista solo: O egocêntrico. Dedica-se a arrancar de seu instrumento o maior número possível de riffs, escalas pentatônicas, métodos gregos, dedilhados e outras firulas. Vive uma guerra não declarada com o vocalista disputando a atenção de todos. Colecionador de tablaturas e revistas especializadas em equipamentos. Possui uma pedaleira de cinco mil efeitos editáveis (mas só utiliza delay, distorção e phaser). Gasta mais com cordas, palhetas, cabos e outras tralhas para a guitarra que com a própria namorada. Se considera um símbolo máximo de virtuosidade. Possui uma conveniente deficiência auditiva, de modo que faz questão de tocar no volume máximo alegando que não está conseguindo ouvir direito seu instrumento. Sempre muito seguro de si, tem plena convicção que a banda não seria nada se não fosse por ele.

Guitarrista base: O despretensioso. Ganhou um violão de presente da madrinha e se reunia com a turma depois da aula para tocar canções da Legião Urbana e Engenheiros do Hawaí. Nunca pensou em tocar numa banda de modo que vive no limbo entre o acústico e o elétrico. Colecionador de revistas de cifras. Resolveu tocar guitarra por insistência dos amigos. Usa um pedal chorus que veio junto com a guitarra quando comprou de um músico de igreja evangélica. Estará presente em todos os ensaios, mas na verdade preferia estar em casa vendo televisão. Às vezes aumenta o volume de seu instrumento, o que provoca a ira do guitarrista solo. Outras vezes arrisca uma segunda voz (backing), o que acaba provocando as críticas do vocalista. Sempre tem um plano B, caso a banda não dê certo, por isso está sempre se envolvendo em outras coisas para nunca ser bom em nenhuma delas.

Baixista: Uma vez me disseram que “todo baixista é autista”... E são mesmo. Introspectivo, o baixista vive em um mundo só dele. Costuma rir sozinho durante o ensaio. Coleciona amigos imaginários. Se pudesse escolher um poder escolheria o da invisibilidade. Quase sempre passa despercebido no show, a não ser por alguns expectadores mais atentos que estranham “aquele cara tocando aquela guitarra engraçada”. Não tem opinião própria ou se tem não faz a menor questão de expressar.  De certo, é de fácil convívio, mas não espere nenhuma iniciativa. Sua atitude começa e termina em acompanhar as notas musicais fazendo marcação com a bateria. Seu lema é “Não sou contra nem a favor... Muito pelo contrário.”

Baterista: Sempre o primeiro a chegar nos ensaios, pois costumam acontecer em sua casa já que a bateria é um instrumento de difícil locomoção. Tem o hábito de acelerar a execução da música gradativamente enquanto a toca, fazendo com que uma balada romântica se converta em um hard core vigoroso. Se sente injustiçado por ter que se responsabilizar pelo andamento da música e ter que ficar escondido no fundo do palco atrás de suas parafernálias e dos outros músicos. Coleciona vídeo-aulas. Bota pra fora seus fantasmas pessoais através de suas baquetas, faz da música sua válvula de escape. Se quiser dar a ele uma notícia ruim, certifique-se de que há algo inanimado que ele possa espancar. Se compromete com a banda e demonstrará isso tocando, não espere ou exija mais que isso.

Tecladista: Esse sujeito ficava trancado no quarto estudando música desde criança. Alguém descobriu que ele toca e o convidou para entrar na banda. Agora ele tem amigos e incorpora com toda força a idéia de banda como família. Adora ensaiar, mas se sente frustrado, pois tudo que aprendeu sobre piano clássico e música erudita será abstraído e o limitarão a acompanhar a música com estribilhos simplistas e sustentações ultrapassadas. Um dia ele se sentirá sufocado por isso, mas não falará nada para não ofender os amigos. Nesse dia, ou ele tocará como Beethovem ou executará todos com uma metralhadora como Scarface.

Percussionista: Se acha uma espécie de Hermeto Paschoal. Um gênio da sonoridade que arranca melodia de qualquer objeto que emita som. Difícil embarcar em seus devaneios e está sempre experimentando novos ruídos que passarão despercebidos no show. Por falar em despercebido, por quê estou escrevendo sobre percussionista? Ele nem é da banda! Foi convidado para fazer uma pequena participação e agora vai a todo ensaio entulhando o estúdio com um monte de sucata.

Se você é capaz de conviver com personalidades fortes e excêntricas como essas (não esperem nada muito diferente), o desafio está apenas começando. Se sua banda for boa e se tiverem sorte receberão convites para tocar em vários eventos onde não receberão nenhum centavo (sorte porque em muitos casos vocês terão que pagar para tocar). Seu repertório será de noventa por cento de música cover e sempre compararão seu trabalho autoral com outras bandas conhecidas (algumas que você detesta).

No começo tudo pode ser muito divertido, mas, se não houver retorno, banda pode se tornar uma brincadeira muito cara e desgastante. A cada dia me convenço mais que talento e vocação não são fundamentais para alçar voo na carreira artística, portanto, não desanime. O caminho é esse mesmo. Não somos nós que escolhemos a música, é ela quem nos escolhe. O sucesso não é a regra, é a exceção.

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terça-feira, 15 de março de 2011

Uma Longa e Saudável Amizade

_ Ai, Jujuca... Você é a melhor amiga desse mundo inteirinho!!
_ Você pra mim é como uma irmã, Nininha! Seremos amigas pra sempre!!!

...

_ Meu pai vai me dar de presente de aniversário um Falcon, Beto!
_ Grande coisa! Sou mais o Ferrorama que meu padrinho me deu!
_ Os Changemans detonam geral! Não tem pra ninguém!
_ Nem a pau, Juvenal! O Comando Estelar Flashman é o que há!
_ Tenho certeza que o Hulk vence o Homem-Aranha!
_ Como você é teimoso, Juvenal! O Hulk esmagaria o Aranha como um inseto!
_ Vou pra casa jogar meu Master System.
_ Sou mais meu Nintendo...
_ Não sei como você agüenta ouvir Guns n’ Roses, Beto! Banda ridícula!
_ Também não sei qual graça você vê no Ultraje a Rigor! Haja mau gosto!
_ A Nininha te chamou pra festinha Americana dela? Eu vou com meu blusão novo da Company!
_ Não, mas a Jujuca me chamou! Vou estrear meu tênis da Redley pisando nesse seu pano de chão que você chama de blusão!
_ Quer apostar corrida com minha Caloi?
_ Fala sério, Juvenal! Minha Monark vai fazer você comer poeira!
_ Beto, Já reparou nos peitinhos da Nininha?
_ Sou mais a bunda da Jujuca.
_ Gostou do meu carro novo?
_ Tem coragem de chamar esse Kadett de carro novo? Prefiro minha XLX350...
_ Cala a boca e toma um copo!
_ Putz! Malte 90 me dá dor de cabeça! Prefiro Kaiser.
_ Esse seu Menguinho está uma piada, heim?
_ Olha quem fala! Tricolor de bosta!
_ Eu disse que você se casaria primeiro...
_ Vai pro inferno, Juvenal!
_ Sinceramente não sei o que a Nininha viu em você, Beto.
_ Eu também não sei onde a Jujuca estava com a cabeça pra casar com um otário como você.
_ Avisa a seu filho que se eu o pegar olhando pra minha filha de novo dou um tiro nele!
_ Então manda sua filha parar de andar por aí mostrando tudo com aquelas roupinhas indecentes!
_ Vinho tinto ou branco?
_ Nem um nem outro, Juvenal. Você só tem vinho seco e eu só bebo suave.
_ Já viu o novo filme do Quentin Tarantino?
_ Não entendo os filmes dele. Se for pra ver violência prefiro John Woo.
_ Terminei de ler o último livro do Justin Cronin.
_ Toda vez que começo a ler o do Dan Brown que você me emprestou eu pego no sono.
_ Essas lentes de contato me irritam os olhos.
_ Por isso que eu só uso óculos.
_ Por que você não assume seus cabelos brancos e para de pintar esses fiapos grisalhos?
_ Combinado. Mas só se você arrancar esse bigodão tosco da cara!
_ Esse remédio pra coluna não está resolvendo meu problema.
_ Seu problema é velhice, Juvenal... Pra esse mal ainda não inventaram remédio.
_ Esse seu neto é meio mariquinha, Beto! Ao invés de entrar na Internet pra ver mulher pelada, fica só nos jogos online!
_ Pior é o seu que tem até um blog!
_ Bom, vou entrar pois já passam das 18h e eu preciso dormir. Manda um abraço pra Nininha.
_ Boa noite, Juvenal. Manda um abraço pra Jujuca. Dia desses apareçam lá em casa pra jogarmos dominó.
_ Está com Alzheimer, Beto? Esqueceu que as duas não se falam desde aquela festinha americana quando éramos crianças?
_ Verdade... Sabe que nem lembro porque elas deixaram de se falar?
_ Aposto que nem elas...