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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Heroísmo e Justiça

A vida não é justa.
A morte muito menos.
Meu pai nunca soube o que é vida fácil. Desde criança trabalhou duro para levar comida para casa. Percorria quilômetros para buscar água. Aprendeu o ofício de ladrilheiro e dessa forma sustentou esposa e filhos. Sempre tive uma meta em minha vida: oferecer a meu pai uma vida mais confortável. Dar a ele o descanso que nunca se deu ao direito. Fiz o que pude, mas sempre fica aquela sensação de que eu poderia ter feito um pouco mais. Se for para levar em conta o merecimento de meu pai, meus esforços sempre ficariam aquém de seu mérito.
O descanso chegou até meu pai de maneira compulsória. O sono pesou em seus olhos e o levou forçosamente a um repouso profundo e irretornável.
Meu pai foi sepultado em um domingo de sol, sem direito a clichês cênicos, sem lirismos ou luxo. Tudo muito simples, exatamente como ele gostaria que fosse. Se houvesse justiça, a morte deste gigante não passaria despercebida aos olhos do mundo. Se houvesse justiça seu corpo seria transportado com honras de Estado em um ataúde de mármore carrara, mogno e ouro sobre um caminhão do Corpo de Bombeiros cercado por uma multidão cantando, aplaudindo e soltando pássaros. No céu, pequenos monomotores praticando acrobacias aéreas soltariam pétalas de rosas brancas. No estádio do Engenhão, o time do Botafogo e seus torcedores fariam um minuto de silêncio. Roberto Carlos dedicaria uma canção a seu fã. A presidente faria um pronunciamento lamentando tamanha perda. A morte de meu pai ganharia destaque nos próximos calendários para que jamais esquecêssemos do dia em que perdemos um exemplo de dignidade, caráter e hombridade.
Isso tudo se houvesse justiça.
Sem grandes eventos, meu pai se foi. Assim como optou em vida, ele partiu de maneira discreta. Sem alardes, sem espetáculos e sem caprichos. O que jaz enterrado não é mais ele. É apenas o invólucro inútil. Meu pai está em cada abraço que me consola, em cada aperto de mão que lamenta a despedida. Meu pai está nas histórias engraçadas que recordamos. Ele está nos atos que ficarão para sempre na memória de muitas pessoas agradecidas por tudo que ele fez sem esperar nada em troca. Meu pai está em mim e na responsabilidade que assumo de honrar seu nome.
Assim como todo herói, meu pai permaneceu anônimo, protegido por uma identidade secreta, de modo que seu desfecho se deu sem ruídos e sem inimigos.
Minhas palavras são tolices. Um desabafo de quem, assim como tantos, não consegue admitir a perda de seu ídolo. Puro egoísmo, pois é este o caminho que todos seguiremos e não nos cabe protestar por quem partirá primeiro.
Pai, nem a vida nem a morte são justas, mas seu descanso se dá com a certeza de dever cumprido. Um coração sereno que cumpriu sua função até o último pulsar e uma consciência tranqüila de quem partiu sem nada dever.
Feche os olhos e deixe o sono te levar. O raro e precioso sono dos justos.
Eu te amo, pai.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Uma Fortaleza Chamada José Elias Sobrinho



Imaginem uma muralha inabalável. Uma edificação sólida e intransponível. Uma fortaleza imune à rudeza dos temporais e da vida.
Este é meu pai.
Rachaduras se mantinham ocultas em sua armação, de modo que seu desgaste se deu lenta e silenciosamente.
Façamos de nossas preces a liga que acentará as pedras em seu devido lugar.
Leve o tempo que for necessário, pai. Não há pressa. Quando estiver de volta, o alicerce estará ainda mais seguro.

Tartaruga Cor-de-Rosa

Tartaruga cor-de-rosa criou-se no meu jardim
Quando não faço comida, ela quem faz para mim
Tartaruga cor-de-rosa, ela é uma beleza
Ela gosta muito de mim, gosta de fazer surpresa

Um dia cheguei em casa e a encontrei chorando
E antes que eu dissesse algo, ela já estava perguntando
"Onde foi que você andou? O que foi que aconteceu?
Eu ouvi por aí dizendo que você morreu!"

E eu fiquei muito contente e ela toda prosa
E é por isso que eu amo a tartaruga cor-de-rosa

(José Elias Sobrinho)