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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Tamanho de Nossa Casa (ou A Responsabilidade de ser Feliz Através do Outro)

Onde começa e termina sua casa?
Imagine-se eleito para administrar uma cidade cheia de problemas. Você pode até se sentir lisonjeado no início, mas as cobranças vêm logo em seguida. Alegarão sua incompetência até que seja destituído do seu cargo. A questão é que os problemas já estavam ali antes de você chegar. Problemas de longa data por conta de administradores incompetentes, descaso das autoridades e, principalmente, da indisciplina e imprudência de grande parte da população que, culturalmente, se condicionou a espalhar lixo, destruir o patrimônio público e reclamar da vida. Como protesto, o povo perde o interesse na política, como se a falta de interesse os tornasse isento das conseqüências de uma escolha equivocada de seus representantes. Votamos em corruptos consagrados ou em pessoas descompromissadas com o bem comum. Fazemos da política uma piada, um circo onde os palhaços somos nós eleitores.
O que veio primeiro: os problemas ou a necessidade da queixa? Ainda que tudo fosse diferente, lá estaríamos nós para reclamar e escolher alguém que pudéssemos pôr a culpa.
Alguém considera atraente tornar-se responsável pela felicidade de alguém? Conheço pessoas que tem como meta de vida encontrar seu grande amor como solução de todos os seus problemas. Pessoas frustradas que esperam encontrar no outro tudo que precisam. Seria justo esperar do outro a solução definitiva de nossas angústias? Será que devemos atribuir a alguém tamanha responsabilidade? Sempre estamos dispostos a exigir muito do outro, mas esquecemos de exigir de nós.
O que temos feito por nós mesmos? Felicidade não é um bem que se conquista, mas um exercício de prática constante. Felicidade não é ausência de problemas, é uma opção de como lidar com os fatos.
Há quem calcule seu lar pelas paredes que o cercam. Nossa casa não está apenas da porta para dentro. Nossa casa também está da porta pra fora. Vamos arrumar a casa e sejamos dignos e merecedores de nossa morada e que o outro (a quem projetamos nossa felicidade) seja o reflexo de nossa dignidade e merecimento.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Memorável Melodia

Em minha curta carreira como músico, há uma melodia que jamais esquecerei. Lá estava eu em cima do palco diante de um público animado que repetia o refrão das canções acompanhado pelos instrumentistas. Em meio a tantas mesas lotadas, era fácil identificar a figura de minha mãe que se destacava por ser a única que permanecia sentada com um semblante abatido e olhar nostálgico. Não compreendia porque ela insistia que eu a chamasse para assistir as apresentações de minha banda se ela deixava claro que não estava se divertindo. Cheguei a prometer a mim mesmo que não mais a convidaria, pois a impressão que eu tinha era de que aquilo não passava de uma tortura para ela.
Quando terminamos, fui cumprimentado pelo público. Seguia para o camarim quando minha mãe me abordou para me dar os parabéns.
_ Parabéns pelo o quê? – a interrompi – Eu olhava para a senhora e só a notava triste! Por que a senhora insiste em me ver cantar se qualquer um percebe que não está gostando? Melhor seria ter ficado em casa, não acha?
Não esperei resposta. Fui ao camarim e, enquanto guardava minha guitarra, pude refletir sobre minhas palavras e percebi como fui severo com minha mãe. Ela não precisava estar ali. Tudo bem que não estivesse confortável, mas não deixa de ser um esforço admirável o de aguentar horas de música alta e gente gritando só para prestigiar seu filho. Entendi que minha intolerância já era coisa antiga. Lembro de como eu me aborrecia quando ela insistia em segurar minha mão para atravessarmos a rua, mesmo quando já adulto. Quantas bobagens mais me afastariam de minha mãe? Talvez fosse hora de deixar de lado todas as dissonâncias do passado e iniciar uma tablatura com acordes simples e pausas.
Saindo do camarim, não precisei me esforçar muito para encontrá-la. Minha mãe permanecia parada no mesmo lugar onde eu lhe dei as costas. Pensei em pedir desculpas, mas, desta vez, foi ela quem me interrompeu:
_ Filho, eu admiro tudo o que faz. Eu agradeço muito a Deus pela pessoa linda e talentosa que você se tornou. Se pareço triste é porque lembro das dificuldades que passamos e me aperta o coração pensar em tudo que eu gostaria de ter feito por você e não pude. Penso em tudo que eu poderia ter feito diferente. Me orgulha todas as suas conquistas, mas me dói perceber que não fui cúmplice de muitas delas.
Senti um bloqueio em minha garganta e minha única reação foi desviar o olhar para um ponto qualquer no chão a procura de mim mesmo. Como se lesse meus pensamentos, ela concluiu:
_ Desculpe se eu o aborreço quando insisto em pegar sua mão para atravessarmos uma rua. Sei que você não gosta, mas não é que eu esteja te tratando como criança... Sou eu que preciso de seu apoio, pois assim me sinto mais segura. Você me entende, filho?
O bloqueio em minha garganta foi destruído a golpes de lágrimas e pedidos de desculpas. Não havia nada mais a ser dito, pelo menos não em palavras. Peguei-a pela mão e a conduzi até a mesa.
_ Vem, mãe... Vamos assistir a próxima banda.
Em minha eterna carreira como filho, há uma mãe que jamais esquecerei.