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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Repescagem

Existe uma razão para a expressão “namoro sério”. É que a partir deste ponto os sorrisos ficam cada vez mais raros. Durante muito tempo eu comparava conhecer os pais da menina como uma espécie de vestibular. A gente se prepara para enfrentar o grande momento em que seremos ou não aprovados por nossos futuros sogros. Hoje percebo que tal comparação é uma tremenda injustiça com o pobre vestibular, afinal, no vestibular sempre há a possibilidade de ser aprovado. Numa apresentação aos pais de sua namorada você já está reprovado desde o momento em que eles souberam de sua existência. Você pode até passar na repescagem, mas haja burocracia!
Tive sorte com alguns pais de namoradas, mas, de um modo geral, os trâmites são sempre os mesmos e as conclusões também: “Quais são suas intenções? Estuda? Trabalha? Ganha quanto? Tem tatuagens? Qual seu time? Faz uso de entorpecentes e outras drogas ilícitas? Tem vínculo com alguma célula terrorista?...”
Algumas questões são pegadinhas:
_ Paga pensão alimentícia?
_ Não, senhor.
_ Sabia que você pode ser preso por isso?
_ Mas eu não tenho filhos!
_ Você é gay?
_ Não! É que eu nunca fui casado!
_ Então quer se juntar com minha filha pra engravidá-la e pular fora sem pagar pensão?!?! Quer ir pra prisão virar mulherzinha, né??
_ Hã?!
Mesmo quando você acredita que está aprovado, você descobre que precisa constantemente provar ser merecedor da bênção de estar freqüentando esta casa. É preciso estar sempre elogiando a comida da sogra, sempre disposto a ajudar o sogro nos trabalhos braçais e sua namorada deve estar sempre com um sorriso estampado no rosto! A inobservância de qualquer uma destas obrigações pode acarretar em punições severas e/ou imediata expulsão desta instituição familiar.
E não adianta provar suas boas intenções. Lembro do dia em que resolvi ficar noivo. Na hora de falar com meus sogros tive a impressão que eu havia cometido um crime hediondo... “Vocês vão viver de quê? Isso é alguma piada? Vão morar onde? Não pense que vão fazer ‘puxadinho’ aqui não!...” Me senti o homem mais miserável do planeta e, depois disso, o noivado não foi pra frente.
Tudo que acontece na vida nos serve como experiência. Espero que isso valha também para os casos de “namoro sério”. Imagine como seria bom se para cada experiência ruim acumulássemos pontos que nos garantiria uma certa vantagem na próxima tentativa:
_ Pretende namorar minha filha? É bolsista? Tem algum tipo de desconto?
_ Não, mas tenho direito pelo sistema de cotas!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Feriado

Dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro. Como trabalhador deste Município, hoje estou em casa pensando o que fazer para curtir este feriado. Não havia muitas opções, mas não queria ficar em casa. Abri a carteira e constatei que eu tinha o suficiente para chegar a algum caixa-eletrônico e retirar mais dinheiro. Fiz alguns telefonemas, recrutando amigos para algum passeio, mas todos já tinham seus planos para aquele dia de sol. Resolvi me arriscar, então tomei banho, coloquei uma roupa e fui pra rua. Decidi passar na casa de meu pai, para dar um oi antes de seguir para... Para onde? Encontrei meu pai com a barriga encostada na pia da cozinha tentando amarrar um saquinho de sacolé, depois de enchê-lo com suco de manga. Meu pai não parecia levar muito jeito com aquilo. Ofereci ajuda e ele explicou que resolveu fazer sacolé para se refrescar por conta do imenso calor que vem fazendo esses dias. Perguntei quantos ele já havia feito e ele respondeu com a testa suada: “Se eu conseguir amarrar, este será o primeiro.”
Percebendo que o suco de manga estava mal batido (o liquidificador de meu pai precisa se aposentar), resolvi levá-los comigo (suco, manga, meu pai...) para minha casa. Chegando lá, bati o suco novamente, desta vez com meu liquidificador. Meu pai ficou encarregado de abrir os sacos enquanto eu os enchia e os amarrava. Fizemos dezenas de sacolés e os colocamos no congelador. Para passar o tempo, ficamos conversando e rindo e, quando nos demos conta, já estava de tardinha e os sacolés devidamente congelados. O papo seguiu até a noite e só fomos interrompidos pelo som do meu telefone tocando. Era um amigo meu perguntando se eu estava a fim de dar uma volta. Respondi que não daria, pois eu já tinha compromisso. Acabei passando meu feriado em casa mesmo, mas em boa companhia e a sensação de que aproveitei da melhor forma possível. Tive a impressão que o dia passou muito rápido, mas com sabor de manga gelada.

Ode a Meus pais Imperfeitos

Não escolhemos nascer, assim como não escolhemos a combinação genética que determinará nossa cadeia hereditária. Uma vez que não nos cabe escolha, podemos afirmar que parentesco não é um privilégio, mas uma conseqüência. A vida não escolhe, a vida simplesmente acontece.
Não acredito em afeto por obrigação. Pessoalmente não fico feliz em imaginar que meus pais me educaram e me alimentaram por obrigação. Prefiro crer que houve uma motivação amorosa, mesmo que distante, um sentimento de proteção, carinho e amparo.
Sou filho de pais separados e, quando criança, testemunhei e enfrentei muitas coisas que alguns adultos teriam dificuldade em assimilar. Minha criação não foi das melhores, mas, a julgar pelas histórias que insistem em circular pelos noticiários, hoje sei que tive muita sorte.
Levantar a mão contra um inocente, além de fácil, pode ser viciante. Quem agride uma criança experimenta uma sensação de poder, de domínio, e acaba fazendo da violência uma rotina para desabafar suas próprias frustrações.
Não fiz escolhas, apenas me adaptei às condições que a vida me ofereceu.
Se por algum momento eu esqueci de agradecer por algo que vocês fizeram por mim, deixo aqui registrado minha gratidão por muitas das coisas que nunca me fizeram:
Obrigado por não terem me esquecido dentro do carro no estacionamento debaixo de um sol de 40ºC.
Obrigado por não terem me jogado da janela do 6º andar.
Obrigado por não terem me abandonado perto de um formigueiro debaixo de uma passarela.
Obrigado por não terem me trancado em um porão me privando de liberdade.
Obrigado por não terem me arremessado no pára-brisa de um carro em movimento ou batido com minha cabeça em um tronco de árvore.
Obrigado por não terem me jogado em um rio poluído dentro de um saco plástico.
Obrigado por não terem me feito experimentar drogas ou a praticar atos que comprometessem minha integridade moral.
Obrigado por não terem inserido dezenas de agulhas em meu corpo por conta de algum pacto satânico.
Obrigado por não terem explorado minha fragilidade em troca de qualquer benefício.
A meus pais imperfeitos sou grato, inclusive por seus erros, pois nunca tiveram a obrigação de acertar. Me entristece pensar que muitas crianças não têm a mesma sorte que eu tive.