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domingo, 30 de agosto de 2009

O Dossiê Iscariotes

Esses dias, vi na televisão uma reportagem falando sobre a descoberta de textos apócrifos que, supostamente, teriam sido escritos por Judas Iscariotes, o famoso delator bíblico, e que seu conteúdo poderia até inocentá-lo de sua fama de traidor. Não seria a primeira vez que a igreja comete falhas por conta de equivocadas interpretações da sagrada escritura. Maria Magdalena foi tachada de prostituta e, apesar do próprio vaticano ter reconhecido o erro, até hoje há quem acredite na suposta profissão autônoma e alternativa da ilustre personagem de Magdala.
Se analisarmos melhor a complexidade dos fatos, vamos nos deparar com uma conspiração celestial, um audacioso estratagema onde todos faziam parte de um engenhoso plano a fim de ascender as promessas do messias que, inclusive, já havia declarado que um de seus seguidores o entregaria. Judas era uma peça importante, pois alguém teria que entregar Jesus e o desafortunado apóstolo foi o sorteado.
Mas por que é importante mantermos essa tradição de espancar um boneco no sábado de aleluia representando um alcagüete? É que toda boa história tem que ter um herói e um vilão. Judas é o antagonista da trama. É o personagem de uma parábola que nos faz crer que todo aquele que errar será punido (o que na prática sabemos ser bem diferente).
Certa ocasião, fui de carro a uma sorveteria. Um menino veio em minha direção desembestado em uma pequena bicicleta sem freios. Se eu fosse mais desatento, teria atropelado aquela criança traquina. Consegui desviar, mas o menino estatelou-se no chão tentando parar. Mesmo sem ter culpa de nada, desci do carro e fui constatar que, fora o susto e alguns arranhões superficiais, o menino estava bem. Estacionei o carro e entrei na sorveteria. Logo em seguida, entrou um rapaz dizendo ao sorveteiro que o tal menino foi atropelado, estava coberto de sangue, todo quebrado e o motorista fugiu sem prestar socorro. Fiquei surpreso com tamanha criatividade... Se em menos de cinco minutos me tornei alvo de um boato infundado, imagina o que acontece em mais de dois mil anos de história mal contada?
Ainda que o pobre dedo-duro tivesse traído seu mestre por pura ganância, deveríamos praticar as lições de Jesus: perdoar, amar ao próximo, não julgar, não condenar... Se não agimos de acordo com esses princípios, então os traidores somos nós. Como não ganhei um único centavo nesta transação obscura, dou a Iscariotes o benefício da dúvida e prometo não maltratar nenhum de seus bonecos no próximo sábado de aleluia! Quer dizer, se ninguém me oferecer 30 dinheiros.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Contemplado

Certa vez, estava eu em casa curtindo meu momento de preguiça e ociosidade quando acordei com o toque do meu celular indicando o recebimento de um torpedo. No corpo da mensagem, lia-se que eu era o vencedor de um concurso e que eu deveria ligar imediatamente para o número de telefone ali indicado. Ainda sonolento, resolvi ligar, mais por curiosidade que por credo. Do outro lado da linha, uma voz masculina e animada pediu que eu me identificasse e, em seguia, disparou com todo entusiasmo:
_Parabéns! O senhor é o mais novo contemplado de nossa promoção e acaba de ganhar um automóvel total flex zero quilômetro!!
Por um momento quis acreditar em tal prenda advinda de minha sorte, mas sabia que aquilo era tremendamente suspeito, mesmo porque não me lembrava de ter me inscrito em qualquer tipo de concurso, sorteio ou rifa. Fiz várias perguntas para comprovar a veracidade de tal promoção e o animado atendente parecia preparado para tirar todas as minhas dúvidas.
Por fim, ele me garantiu que o prêmio já era meu, mas para confirmar meu interesse em receber o automóvel eu deveria comprar duzentos reais em cartões telefônicos e informar o código de cada cartão. Tratava-se, sem dúvidas, de mais um desses golpistas e, por pouco, não caio nessa.
Desliguei o aparelho e me achei na obrigação de avisar às autoridades sobre este picareta. Não seria difícil localizá-lo, afinal, eu tinha o número do telefone dele! Ele não me enganou, mas poderia continuar enganando muitas pessoas se eu não tomasse alguma atitude.
Liguei para operadoras de telefonia fixa e móvel, mas ninguém soube me dizer exatamente como eu poderia proceder uma denúncia. Me indicaram vários telefones diferentes até que liguei para polícia que me orientou a fazer um registro de ocorrência juntamente à delegacia mais próxima de minha casa. A fim de cumprir com meu dever de cidadão, fui à 39ª DP (Pavuna) onde fui recebido por um policial com cara de poucos amigos que me desencorajou em minha busca por justiça alegando que esses golpes são rotina e não há nada que se possa fazer.
_ Se ele ao menos tivesse conseguido lhe dar o golpe nós poderíamos abrir uma ocorrência – acrescentou o policial afirmando que algo só é feito quando o golpe é bem sucedido e, ainda assim, não podemos considerar uma solução.
Voltei para casa com aquele sentimento de impotência, sabendo que o tal golpista continuará agindo impunemente.
Liguei a televisão e, coincidentemente, estava passando uma reportagem sobre uma senhora muito idosa que foi vítima desse mesmo golpe. A coitadinha sacrificou o dinheiro de seus remédios para garantir seu falso prêmio. Em entrevista, o excelentíssimo secretário de segurança orientou os telespectadores:
_ Não se deixem enganar por esses exploradores! Qualquer sinal de proposta duvidosa, liguem imediatamente para a polícia, pois temos um serviço de inteligência trabalhando para punir esses golpistas! Qualquer dúvida, o telefone de meu gabinete estará sempre à disposição.
Tomei nota do tal telefone. Ocupado. Insisti por um tempo até que chamou diversas vezes. Quando eu já estava desistindo, alguém atendeu.
_É da secretaria de segurança?
_Sim, pois não?
_Estou falando com o secretário de segurança?
_O próprio. Em quê posso ajudar, cidadão?
Não me contive... Inflei o peito e bradei com toda euforia:
__Parabéns! O senhor é o mais novo contemplado de nossa promoção e acaba de ganhar um automóvel total flex zero quilômetro!!