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quarta-feira, 29 de julho de 2009

A Árvore do Demônio

De longe, aquela velha árvore é apenas um rabisco tétrico em meio a uma paisagem agreste, árida e deserta. Um botânico experiente encontraria dificuldade para catalogar um espécime tão grotesco e desfigurado. Centenas de galhos secos espalhados em múltiplas direções como os dedos de uma velha bruxa. Suas raízes são como gigantescas serpentes petrificadas e seu tronco robusto parecia possuir a idade do mundo.
Sua aparência expressionista lhe rendeu o título de “a árvore do demônio” e a ela foram atribuídas várias histórias sombrias. Os mais velhos contam que, à sombra desta árvore, o próprio demônio – ou algum espírito fanfarrão – passava os dias descansando e esperando que algum viajante cruzasse seu caminho. A abordagem era sempre a mesma:
“Permita que eu me apresente. Eu sou o anjo caído, o pai da mentira. Possuo muitos nomes, mas permitirei que escolhas como devo ser chamado. Desejo chegar até o fim desta estrada, mas a viagem é muito longa. Importa-se se eu acompanhá-lo?”
A reação era quase sempre a mesma. Os passantes gritavam “Fora satanás! Vá embora tinhoso! Suma da minha frente coisa ruim!” enquanto corriam desesperadamente tropeçando nas próprias pernas. O demônio se divertia com todo aquele alvoroço e sorria com a certeza de que ele encontraria todas essas pessoas no final dessa longa estrada.
Entretanto, houve um transeunte que, ao ser abordado, não esboçou qualquer reação de pânico. Ele olhou para o demônio e disse: “Ora, não vejo problema nenhum. Pode me acompanhar, se quiser.”
O demônio estranhou a frieza do viajante: “Talvez eu não tenha sido claro... Não compreende quem sou?”
O viajante balançou a cabeça positivamente e acrescentou: “A viagem é realmente longa, alguém para conversar encurtará a distância.”
E o demônio quis saber: “E como você pretende me chamar durante esta jornada?”
Em resposta, o viajante disse: “Se devo te chamar por algum nome, que seja o nome que você escolher. Esta árvore não possui nome, mas cumpri com seu dever de projetar a sombra que você descansa. Nomes não dizem nada, o que importa é o que fazemos para ajudar quem está do nosso lado. Diga-me como deseja que eu o chame.”
Desconcertado, o demônio refletiu por um instante de cabeça baixa: “Estou acostumado aos nomes que me são disparados aos gritos. Acho que seguimos caminhos opostos.”
O demônio permaneceu em silêncio, admirando a figura do rapaz diminuir ao longe até sumir no horizonte. Lamentou-se por não ter perguntado o nome daquele viajante, pois sabia que nunca mais voltaria a vê-lo.
De longe, aquela velha árvore passou a dar sinais de vida àquela velha paisagem agreste, árida e deserta.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Morte Virtual

Meu Orkut sumiu! Morreu! “Deletou-se”! Só consigo atribuir a autoria deste crime a algum desses malditos vírus que assolam esses populares cubículos onde pagamos pelo tempo que queremos nos conectar (estou falando de uma lan house, não de um meretrício).
Claro que esta se trata de uma tragédia anunciada. Outros amigos tiveram o mesmo fim, mas sempre achamos que essas coisas só acontecem com os outros. E aqueles e-mails que eu vivia recebendo para repassar a todos meus contatos? Eu nunca os repassava e sempre havia uma promessa de azar aos que resolvessem ignorar a corrente. Teria sido essa a razão para o desaparecimento do meu perfil no Orkut? Eu deveria ter dado mais atenção a essas mensagens...
Alguém tem dúvidas da importância de uma conta num site de relacionamento de renome? É através deste site que mantenho contato com todos os meus amigos, atualizo minhas fotos, fico sabendo de tudo que está acontecendo com meus colegas, posso fuxicar a vida alheia, dar minha opinião em inúmeras comunidades... Perder o perfil nesta grande rede representa a própria morte sócio-virtual. É o mesmo que perder sua essência. Como alguém pode viver sem “Buddy Pokes” e recados animados?
Cheguei no trabalho, sentindo-me um fantasma a vagar. Percebendo minha profunda angústia, meu amigo da mesa ao lado perguntou-me o que havia acontecido e narrei minha triste história com toda paixão de um homem que se despede de sua própria alma. Por fim, ele deu de ombros e disse: Ora, por que não se cadastra novamente e abre uma nova conta?
...
Não sei o que me deixou mais chocado. Se foi a sua indiferença com meu problema ou a petulância em afirmar que meu drama pode ser resolvido de uma forma tão simples e prática...
Por falta de opção, acho que vou seguir este conselho... Vou reconstruir minha entidade virtual, postar novas fotos, adicionar todas as pessoas que tenho afinidade, distribuir recados divertidos...
Mas se este meu amigo do trabalho pensa que vou colocar uma estrelinha de fã e deixar um depoimento em seu perfil, ele está muito enganado. Ah, mas não vou mesmo!

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Ditadura Comportamental

Depois de horas de tortura auditiva, ouvindo canções de gosto duvidoso, mas excessivamente veiculadas pela mídia, o inspetor entrou na sala de interrogatório e sentou-se na cadeira diante de mim apoiando os cotovelos à mesa entre nós.
“Chegamos até você graças a uma denúncia anônima”, dizia ele. Pelo que entendi alguém avisou às autoridades sobre o risco que eu representava à sociedade por não me adequar aos padrões de imagem e costumes ora impostas pela atual ditadura comportamental.
Eu não tinha muito que dizer em minha defesa. Limitei-me a reconhecer meus erros e garanti mudar minha atitude subversiva. Fiz um discurso de improviso declarando meu arrependimento e me comprometendo a tomar as providências necessárias.
“Sim, há tempos que sei da “Lei de Padronização Moral e Estética”, mas confesso que não dei o devido crédito aos benefícios que essa lei representava. Agora entendo que uma sociedade só é perfeita quando todos seguem em uma única direção. Prometo gastar cada centavo do meu suado dinheiro para possuir o corpo perfeito, as roupas perfeitas, o status perfeito... Prometo freqüentar todas as baladas que estão “bombando na night”. Vou fazer lipo e colocar silicone nas panturrilhas. Vou usar roupa de grife até para ir à padaria. Vou me comportar como um desbravador sexual e “pegarei geral” antes de voltar para casa sozinho. Vou ouvir músicas de refrão fácil e conteúdo ofensivo no volume máximo, seja em casa, no carro ou em meu celular. Vou me concentrar exclusivamente às seções de esporte nos jornais. Estarei a par de tudo o que acontecer nas novelas e programas de futilidades, além de me inscrever e acompanhar todo tipo de Reality show. Vou falar, ler e escrever errado. Criarei contas em todos os sites de relacionamento. Seguirei a moda religiosamente e descartarei qualquer assunto que requeira uma opinião de cunho intelectual, além de denunciar qualquer um que se atreva a agir de maneira independente.”
Aparentemente satisfeito, o inspetor me liberou, mas não sem antes me dar uma advertência e uma punição. Disse que ficaria de olho em mim e me aplicou uma multa pesada. Quando lhe questionei sobre o valor da multa, ele respondeu:
“Você pensou muito antes de se declarar culpado... Não percebe que pensar é completamente démodé?”