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segunda-feira, 20 de abril de 2009

O Duelo

Parecia um dia de sol como tantos outros, mas a velocidade das nuvens denunciava que algo estava para acontecer. As árvores mais experientes entenderam o recado e se apegavam com mais vigor à terra.Sem perceber o que se passava ao redor, uma velha sacola plástica, daquelas de supermercado, estava quieta ali no chão, ao lado de uma lixeira e de um banco de praça. A pobre sacola estava deprimida, murchinha... Lamentava-se pelo seu destino incerto. Ela que trazia com orgulho a estampa da logomarca de onde trabalhava, colocando-se à disposição dos clientes. Fazia parte de uma grande equipe e estava certa da importância de seu papel na hora de carregar o peso e responsabilidade de sua função. Já ouviu histórias horríveis de sacolas que até se rasgaram no cumprimento do dever, mas isso não a assustava. Estava disposta a correr qualquer risco para exercer seu ofício. Jamais decepcionaria seus colegas e clientes. Por fim, parecia não haver mais utilidade para ela. Soube de algumas companheiras que passaram a servir como “sacos de lixo”, mas, pelo visto, nem para isso ela servia mais. Algumas conseguiram uma chance em programas de reciclagem, mas para ela só restou o esquecimento e a sarjeta. Sentia-se triste, inútil e vazia.
Súbito, fora atingida por um forte golpe de ar que a arremessou longe. O vento soprava zombando da fragilidade das folhas secas e jornais de ontem. A sacola tentou fugir daquela surra e correu procurando um canto seguro. O vento, percebendo sua aflição, resolveu brincar com ela golpeando-a incansavelmente para todas as direções. A sacola estava tonta e desesperada enquanto o vento apenas se divertia.Foi então que a sacola viu-se num beco sem saída. Ela estava acuada, encurralada... Quando tudo parecia perdido, a sacola resolveu revidar! Mesmo desajeitada, ela começou a rodopiar no ar, defendendo-se e atacando num balet de movimentos imprecisos e aparentemente sem qualquer efeito no temível vento. Ela passou a usar os golpes do vento para se sentir maior e mais forte.De repente, o vento parou de rir e até se encantou com toda aquela coragem. Resolveu então deixá-la em paz e seguiu seu caminho sem nada dizer. A sacola percebeu o vento se retirando, mas permaneceu atenta caso ele voltasse. Ela estava exausta e caiu num canto para descansar.O medo passou. A ansiedade e a angústia também se foram. Sua luta lhe devolveu a confiança ora perdida e tudo parece diferente. Seu destino, ela sabe, ainda é incerto, mas agora esta corajosa sacola plástica não se sente mais tão vazia.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

As Vantagens que só o Ódio pode Oferecer

Há uma máxima que diz: “Guardar rancor é o mesmo que beber veneno esperando que o outro morra.” Me preocupa o que essas pessoas andam bebendo, mas cada um na sua...
Um amigo me falou uma vez: “Não sei como você consegue fazer com que as pessoas te odeiem tanto.” Não digo que concordo plenamente com este comentário. Eu chamaria isso de uma meia verdade se a mesma não pudesse ser interpretada também como uma meia mentira, assim como uma quase certeza é o mesmo que uma quase dúvida.
Não se trata de ter ou não facilidade de despertar o ódio nas pessoas. Trata-se da capacidade de se atrever a pensar, de viver o mais profundo de você mesmo (núcleo). Isso parece provocar algumas pessoas e, se valendo dos extremos (pólos) passam a nos admirar de forma messiânica ou nos amaldiçoar fervorosamente. Certas revoltas têm seus fundamentos e é preciso lidar com cautela e diplomacia, mas o que dizer do ódio injustificado? “Você age e pensa diferente de mim, logo eu o odeio”. E quando o assunto é paixão, todo extremo parece ser bem-vindo. Há uma razão para que as pessoas que um dia amamos sejam “ex”. As coisas não deram certo e pronto, mas podemos romantizar o fim da relação com brigas, acusações, fofocas... E eis que o amor se torna ódio (clichê pastelão)!
Recentemente, recebi um e-mail em resposta a um convite que enviei aos meus amigos (o autor não vem ao caso):
“Favor retirar o meu e-mail da sua lista de contatos.
Se por acaso enviar algum outro após esse meu pedido, o mesmo poderá ser usado como prova material contra você no tribunal.
Grato.”
Claro que fiquei surpreso e curioso. O que eu teria dito para ofender esta pessoa? Respondi:
“O que houve? A mensagem foi repassada através de todos os meus amigos no Orkut. Para não lhe enviar eu teria que excluí-lo da minha lista de amigos. É isso mesmo que deseja?
Não entendi o porquê do "prova material contra você no tribunal", pois posso fazer o que me pede independente de ameaça judicial.
Se possível, me responda dizendo o que o desagradou em minhas mensagens anteriores para que eu possa saber do que estarei me desculpando.”
Então ele respondeu:
“Já te exclui do meu orkut a muito tempo... não percebeu? Não quero e não vou dizer o porquê...
Por favor simplesmente me exclua da sua lista de amigos pois não quero mais receber emails seus...
Além disso não foi uma ameaça, foi um aviso, mas vc é livre pra interpretar qualquer texto da forma que lhe convir.
Não precisa responder a esse email, se o fizer eu não retornarei, e dependendo do que for enviado eu tomarei as medidas cabíveis ou não...
Adeus!”
Me despedi dizendo:
“Confesso que não havia notado que havia me excluído. Pode deixar que providenciarei o desligamento de minhas mensagens em sua caixa de entrada. Estou respondendo não por uma questão de necessidade, mas para dar uma satisfação de que seu e-mail foi lido. Fique à vontade para não me revelar o que o desagrada, isso só torna inviável qualquer pedido de desculpas. Sobre as medidas cabíveis, não se preocupe, pois este é o último e-mail que lhe envio e, como pode perceber, não é de natureza hostil. Não tive a oportunidade de conhecê-lo melhor, mas acho você uma pessoa bem instruída e deve ter seus motivos e eu respeito isso.”
Só tive contato com essa pessoa duas vezes na minha vida e já sou alvo de seu desafeto. Não deveria me sentir lisonjeado? Além disso, podemos afirmar que as pessoas que nos odeiam são justamente aquelas que ficam bem melhores longe de nós. Manter distância de pessoas assim é um benefício que favorece ambos os lados. Se isso fosse um programa de milhagem, poderíamos acumular pontos para dar a volta ao mundo.
Para entender o fundamento disso eu precisaria retroceder muitas encarnações do meu atual estado evolutivo, sendo assim, só me resta agradecer por todo veneno que essas pessoas bebem esperando que eu morra, mas não esperem que eu brinde junto.
O ódio é o combustível dos tolos. É altamente inflamável, pena que só conseguem correr em círculos...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Maldade Salvará o Mundo

A solução para o mundo é a maldade. Refiro-me a uma maldade palpável, encarnada em alguma forma mitológica facilmente identificável como um dragão que pudéssemos duelar ou nos esconder. Criaturas sombrias, entidades folclóricas, súcubos dantescos... Desta forma, saberíamos exatamente quem são os inimigos. A humanidade criaria métodos de proteção contra o mal. Equipes treinadas para repreender e aniquilar tais monstros. Uma vigilância eficaz que nos garantiria uma vida sossegada. Todos os carros e casas seriam equipados com dispositivos “antimaldade” com selo INMETRO e ISO 9000.
A verdade é que estamos sofrendo de “excesso de boa vontade”. É o “bom motivo” quem nos destrói. O mal que se manifesta como um ato de bondade. Quantas pessoas são sacrificadas para garantir nossos privilégios? Guerras em nome da paz, restrições em prol da liberdade, ciúme e punição justificados pelo zelo e o amor.
Não podemos identificar o inimigo, pois somos nós. Não se trata de uma força alienígena que nos domina, e sim, um instinto primário que se move em nosso íntimo.
Não poupamos o planeta, nossos filhos, nossos sonhos ou quem mais amamos. Não faz diferença quem seja prejudicado, desde que tenhamos alguma vantagem.
Seríamos nós os monstros? Somos apenas humanos fiéis à nossa natureza. O que faz de alguém um indivíduo melhor é a capacidade de reconhecer e dominar esse impulso destrutivo.
Quando, enfim, o mal se manifestar de maneira explícita e alegórica, seremos felizes, pois saberemos em quem pôr a culpa. Até lá, vamos continuar apontando os erros dos outros e imaginar desculpas criativas para justificar nossa maldade bem intencionada.