Leitores

terça-feira, 31 de março de 2009

O Grande Iceberg

Em um dia quente, como este, quando os pensamentos são rasos, poucos se dariam conta da infinita profundidade dentro daquele copo d'água. O ouvido humanoprecisaria evoluir mil vezes até conseguir compreender aquele insólito diálogo entre dois cubos de gelo, mas um coração atento acompanharia fielmente cada palavra. O primeiro cubo de gelo, notando a aflição de seu "colega de copo", perguntou-o com certa preocupação:
_ O que tanto o inquieta, amigo? Desde quando o acompanho não me lembro de vê-lo assim tão agitado!E o outro cubo responde:
_ Ainda não percebeu?! Nosso fim está próximo! Esses são nossos últimos momentos de vida! Em breve, o calor que vem de fora será mais forte que nós dois juntos e ele dominará este copo! Vamos derreter, evaporar e sumir para sempre! Não acha que tenho motivos suficientes para estar aflito? N'um estalo, o primeiro cubo aproximou-se e disse:
_ E o que espera conseguir com esta ansiedade inútil? Não seria melhor concentrar sua força e cumprir seu dever com prazer e alegria? Nascemos para este propósito! Um dia sairíamos do conforto do nosso lar e estaríamos aqui para lutar contra o calor lá de fora!E o outro retrucou:
_ Mas o calor é nossa morte! Já começo a me sentir menor e mais fraco! Como ainda consegue estar calmo?
_ Este não é o fim, meu amigo! É apenas o começo! Não sinto medo, pois sei que tudo isto aqui é passageiro! Mas não estaremos mortos quando tudo isso passar!Eu e você somos partes de algo muito maior e é para lá que iremos em breve!
_ Do que está falando?
_Você já ouviu falar no "Grande Iceberg"?
_ Grande o quê?!
_ o Grande Iceberg é infinitamente maior que qualquer cubo de gelo! Seu poder é tão grande que não há calor no mundo que possa quebrá-lo! É Dele que viemos e é para Ele que vamos quando completarmos nossa missão!
_ Tudo isso é muito bonito, mas não acredito nessas histórias fantásticas! Como pode ter tanta certeza?
_ Eu O sinto! Sinto dentro de mim uma Força Maior que me conforta, me protege e me aguarda! Não posso evitar a alegria por estar cada vez mais perto disso tudo e por isso cumpro meu dever com satisfação e amor.
_ Você deve ser louco...
_ Isso se chama fé, meu amigo. Sem fé, somos apenas água dura.

terça-feira, 24 de março de 2009

Nosso Grande Líder

Em uma cidade não muito distante, o Grande Líder, eleito pelo povo, tomou posse e começou a pôr em prática seu plano de governo, sempre enfatizando as promessas de campanha que lhe garantiram a vitória nas urnas. Havia mil favores pendentes, parcerias importantes que ele não poderia decepcionar. Favoreceu seus aliados e passou a ser muito bem visto pela mídia.
Mas a consolidação de sua imagem pomposa tinha seu preço. As regalias ofertadas a seus cúmplices partidários representavam um gasto significativo ao cofre público. Com seu brilhante engenho, não foi difícil para este líder decidir quem pagaria a conta: o povo.
As obras que mudariam aquela cidade nem sequer tiveram início. Escolas e hospitais em completo abandono. Ruas esburacadas e insegurança por todos os lados.
O povo exigia uma satisfação de seu atual governante que facilmente convenceu a todos que a culpa era do funcionalismo público. O raciocínio era simples: Os funcionários do quadro administrativo representavam um gasto ofensivo ao dinheiro do povo. O que poderia ser investido em obras e melhorias para a cidade era usado para pagar benefícios e altos salários a estes funcionários.
As providências foram tomadas sem demora. Benefícios foram cortados, salários reduzidos, conquistas ignoradas, sem falar nas demissões aleatórias. Claro que o Grande Líder garantiu os privilégios de seus protegidos. Apenas o quadro de nível médio foi sumariamente punido em prol de um bem maior.
Com o tempo, o bem maior não veio. O Grande Líder buscava novas justificativas para novos cortes. A atmosfera entre esses funcionários era de hostilidade, tensão e medo. Justamente quando eles deveriam se unir, os funcionários passaram a se repudiar mutuamente. A falta de dinheiro altera o humor de qualquer um.
A cidade continuava um caos e o povo já não podia contar com a prestatividade do funcionalismo. Transporte, refeição, licenças, folgas... Tudo que poderia ser tirado desses funcionários foi subtraído e, mesmo assim, o grande líder estava diante de uma crise que, bem sabe, ele mesmo provocou.
O Grande Líder concentrou seus esforços em criar fortes alianças a fim de promover sua carreira, mas esquece que não há futuro quando o alicerce que o apóia afunda como areia movediça. Ao tratar seus funcionários como máquinas de barata manutenção, comprometeu as estruturas de seu governo. O Grande Líder nunca mais voltou ao poder, pois as máquinas não se queixam, mas também não votam.
Não existe Nação sem humanidade.

terça-feira, 17 de março de 2009

Uma Palavra Nova

Foi necessário criar uma nova palavra para substituir o já tão obsoleto “amor”. Amor caiu em desuso, não por conta de sua estrutura ortográfica, haja vista tamanha simplicidade de escrita. Não há acentos gráficos nem sequer um “h” para nos confundir. O amor tornou-se erudito, rebuscado... Um vernáculo de quatro letras perdido em nosso dicionário arcaico.
A razão de seu sumiço se deve à dificuldade que encontramos de encaixar essa palavra em nosso dia-dia. Amor não basta para expressar tudo o que sentimos nem como queremos descrever algo que nos agrada. Amor sugere um certo comprometimento e ninguém anda disposto a se comprometer com nada e ninguém. Se dissermos: “Eu amo isso, eu amo aquilo...” pode ser compreendido como uma obsessão, um apego ou uma exagerada demonstração de carinho.
Amor causa espanto, medo, ansiedade, dúvidas. Melhor dizer que gosta, admira, quer bem... Amor tornou-se perigoso demais para ser usado indiscriminadamente. Alguém pode até se sentir ofendido se abordado com um “eu te amo” sem aviso.
Uma vez distante de uma compreensão imediata sem ambigüidades, não há mais o que fazer senão riscar o amor de nosso vocabulário.
Na busca de novas palavras, fugindo de neologismos que mais confundem que esclarecem, encontrei a resposta em um supermercado, mais precisamente em uma garrafa de suco de uva. Em seu rótulo dizia: “Faz bem ao coração”. Comecei a ler sua composição atrás da propriedade que garantisse esse bem-estar cardíaco. Agora, não tenho dúvidas. Ao menor sinal de afeto, gratidão, desejo ou qualquer outro sentimento que deixe meu coração contente, direi sem medo: “Obrigado por ser tão ‘anti-oxidante’ em minha vida”.

terça-feira, 10 de março de 2009

Um Bom Começo

Alguém teve a brilhante idéia de me perguntar como estou. Se recorrermos ao mais profundo de nossa sinceridade, responderíamos: “Estou pensando em uma resposta que o surpreenda e não me faça parecer tão monótono”.
Apesar de tantas novidades ultrapassadas e projetos que sempre ficam para depois, a vida segue em constante movimento e todos fazemos parte disso, inclusive os mortos (de maneira mais lenta e silenciosa, porém funcional). Uma vez consciente de toda transformação ao nosso redor, podemos fazer parte do jogo como peças ativas ou apenas observar o que se desenrola no tabuleiro, fingindo que os resultados não nos atingem.
A vida tem as cores, o cheiro, a textura que enfatizamos. Um mosaico de detalhes caóticos que resultam em uma obra de admirável peculiaridade. O que buscamos está ao alcance de nossos olhos, mas ainda não aprendemos a olhar na direção correta.
Se tudo que conseguimos contabilizar em nossas vidas são os prejuízos, as oportunidades e alegrias sempre passarão despercebidas. Nossa ansiedade nos antecipa a dor de eventos imaginários e nos cega diante de uma realidade progressiva.
A tudo que está por vir, sejamos atentos, mas nunca isentos. E para quem deseja saber como estou, um “estou bem, obrigado” certamente não diz tudo, mas podemos considerar um bom começo.
Quando a vida nos oferece um presente, melhor não se lamentar pelo lindo embrulho que precisou ser destruído para revelar a grande surpresa.